quarta-feira, 29 de julho de 2009

As férias do “capitão coragem”

Fazendo cooper, o presidente Sarkozy teve um mal-estar no domingo, 26 de julho. Nesta quinta, 30 de julho, o presidente, como os ministros, troca Paris pelas anuais férias de verão. O presidente vai passar três semanas na Côte d’Azur, na propriedade da família de Carla Bruni. Os ministros, que, como a maioria dos parisienses, vão deixar a cidade deserta, têm uma única obrigação: não estar a mais de duas horas de avião de Paris. Por isso, o primeiro-ministro François Fillon passará suas férias na Toscana. Para mim, a Toscana é um dos lugares mais bonitos da Itália, da Europa e do mundo. Um paraíso onde milionários do mundo inteiro têm casa de campo. E onde eu comprarei uma casa, quando ganhar na euromilhões, a loteria que funciona em vários países europeus.
Christian Salmon, pesquisador do Centro de pesquisas sobre as artes e a linguagem e autor do excelente livro Storytelling – La machine à fabriquer des histoires et à formater les esprits (La Découverte, 2008), analisou no Le Monde o excesso de cobertura do mal-estar do presidente pela imprensa francesa:
"O mal-estar teria passado despercebido em outros tempos. Mas a superexposição de Nicolas Sarkozy, a hipercentralização do poder e sua hiperatividade em termos de agenda midiática mergulham a sociedade francesa num estado de alerta permanente. Existe uma dramatização um tanto doentia, ligada à personalização das instituições políticas e à `novelização´ da vida política. Não se trata mais somente de contar histórias (storytelling), mas de manter a opinião pública em estado de permanente mobilização. Tudo isso faz parte do sintoma de `superexcitação, hiperatividade, superexposição´. O Palácio do Eliseu fez tanto marketing do `capitão coragem´ diante da crise que um simples mal-estar toma proporções quase de um naufrágio".
Leia também
A política como ficção – Leneide Duarte-Plon entrevista Christian Salmon (17/11/2008).


Novo debate sobre o véu islâmico

Os países europeus se veem às voltas com mulheres muçulmanas que cobrem a cabeça com um véu, o hidjab. Alguns, como a França, o proíbem em repartições e escolas. Outros premitem o uso em todos os ambientes. Mas além do discreto hidjab, algumas muçulmanas usam o niqab, que cobre o corpo todo mas deixa os olhos à vista. Outras usam a forma mais radical de ocultação do corpo feminino, a burca, que cobre corpo e rosto e tem apenas uma tela no lugar dos olhos. Na França, são 367 mulheres que usam a burca, segundo o Le Monde de 30 de julho. Convenhamos, não é muito num país de 60 milhões de habitantes.
Acontece que o presidente Sarkozy, em seu discurso diante do Parlamento reunido em Versalhes em junho, inaugurando novo protocolo que permite que o presidente francês se dirija pessoalmente aos parlamentares (antes ele enviava mensagem lida e não podia falar no Parlamento), deixou claro seu ponto de vista sobre o assunto : “O problema da burca não é apenas religioso. É um problema de liberdade e dignidade da mulher. Ela é um sinal de dominação sobre a mulher. Digo solenemente: a burca não é bem-vinda no território da República francesa”.
Segundo ele, a França não pode aceitar mulheres prisioneiras sob uma grade de pano, totalmente isoladas da vida social e de qualquer identidade. “Não é essa a idéia que fazemos da dignidade da mulher”, terminou Sarkozy.
Uma missão de informação parlamentar sobre o uso desse véu integral foi nomeada pelo governo para discutir o caminho a seguir. Pode vir a proibir o uso no espaço público “em nome da laicidade, da dignidade da mulher e da segurança e da ordem pública”. Como a burca permite a alguém (mulher ou homem) se esconder totalmente por trás da roupa, é possível que uma lei seja proposta em fins de janeiro, quando a missão parlamentar concluir suas consultas a sociólogos da religião, filósofos e feministas. “Se uma muçulmana decide usar o hijab ou uma judia usar uma peruca, isso não me incomoda. Por outro lado, o véu integral aniquila a mulher”, diz Olivia Cattan, da Association Paroles de femmes, no jornal Libération e uma das dezenas de pessoas que vão ser ouvidas pela missão parlamentar.
No meu livro "Por que elas são (in)fiéis", Ediouro, 2006, escrevi na página 29:
“Nas sociedades islâmicas, o uso do véu é uma forma de manter controle sobre o corpo da mulher, visto como permanente fonte de tentação. Em nome do livro sagrado do profeta Maomé, tiranos fanáticos escondem suas mulheres sob os mantos para se convencerem de que elas não existem como seres desejantes, como iguais.
No livro "Psychanalyse à l’épreuve de l’Islam", o psicanalista Fethi Benslama diz que “o véu islâmico é uma coisa (em iltálico no texto) pela qual o corpo feminino é ocultado em parte ou totalmente porque este corpo tem um poder de encanto e fascinação. Em outras palavras, o que é ostentatório para a religião é o corpo da mulher, ao passo que o véu seria um filtro que resguarda e protege de seus efeitos perturbadores”.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Apagaram o cigarro de Alain Delon


Na França, a Lei Evin proíbe toda publicidade de fumo, em qualquer mídia.
Por isso, uma foto de Alain Delon de 1966 em que o ator tinha um cigarro na mão direita foi retocada agora para “apagar” o cigarro, na nova publicidade do perfume Christian Dior, Eau Sauvage. Não é de admirar que a Dior vá buscar uma foto dele no auge da beleza para a nova campanha do perfume. O ator é considerado por muitos o francês mais bonito de todos os tempos (quem não lembra da câmera de Visconti lambendo o rosto de Delon em Rocco e seus irmãos, literalmente subjugada pela beleza do ator?).
Delon não é o primeiro a ter uma foto adaptada pelo politicamente correto. Este ano, a cinemateca francesa organizou a retrospectiva e exposição da obra de Jacques Tati. Os cartazes que foram espalhados pela cidade e dentro das estações de metrô mostravam Tati numa bicicleta sem seu cachimbo, devidamente apagado pelos publicitários zelosos. Esse excesso de zelo foi criticado pelo próprio autor da lei, o ex-ministro Claude Evin, e também pela atual ministra da Saúde, Roselyne Bachelot. Ambos acharam ridículo apagar o cachimbo de Tati, uma de suas marcas mais fortes. Agora apagaram o cigarro de Delon, depois de terem tirado o cigarro dos dedos de Sartre para uma exposição sobre o filósofo da Biblioteca Nacional da França, há poucos anos.

120 velinhas

A velha dama de ferro comemorou 120 anos comme il faut.
Não, não estou falando de Margaret Thatcher, tão idosa que vai ficando esquecida por conta da idade, mas ainda longe dos 120. Em vez de pedir que esquecessem o que fez (ou escreveu) ela tratou de começar por si mesma. Esqueceu quase tudo por conta daquele médico alemão, Dr. Alzheimer.
Estou falando da Torre Eiffel. Para seus 120 verões ela teve direito, dia 14 de julho, aos fogos de artifício mais espetaculares de sua história. Comemorou-se a festa nacional e o aniversário de uma das mais visitadas atrações da capital, com o Louvre e a Notre Dame. Antes dos fogos, os franceses e turistas (700 mil pessoas) puderam assistir ao show do velho roqueiro francês Johnny Hallyday, de 66 anos, que se despede dos palcos em uma turnê por várias cidades. A escolha do cantor foi feita por Sarkozy, um fã incondicional. Gosto não se discute.
Por falar na Torre, no Libération podemos ler pérolas de cultura inútil por conta das matérias especiais de verão, quando a política francesa funciona no piloto automático e pouca coisa acontece. Todo mundo sai de férias, inclusive o presidente e os ministros (alternadamente, claro). Leio matéria sobre “o salto do século” feito por François Reichelt, um francês que pensava ter inventado o paraquedas. Ele morreu em fevereiro de 1912, saltando do primeiro andar da Torre Eiffel, diante de poucos curiosos e alguns jornalistas, vestido de uma espécie de macacão-capa, supostamente apto a amortecer sua queda. Não funcionou e o infeliz inventor morreu estatelado aos pés da torre.
Mais um pouco de cultura inútil: a invenção patenteada de um paraquedas foi feita pelo francês Jacques Garnerin em outubro de 1802. Ele tinha saltado pela primeira vez em 1797 no parque Monceau em Paris. Mas o nome parachute (paraquedas) foi criado pelo físico francês Sébastien Lenormand, o primeiro a saltar do primeiro andar de uma casa com um guarda-sol em cada mão!

Delito de solidariedade = estrangeiros fora!

Liberté, égalité e fraternité são palavras edificantes. Mas nem sempre fáceis de aplicar. Na defesa da lei que ficou conhecida por instaurar o “delito de solidariedade”, o governo francês está às voltas com as associações de ajuda aos imigrantes. Uma queda de braços que foi magnificamente ilustrada no filme francês Welcome, que passa no Brasil com o nome de Bem-vindo, pelo que li nos jornais. O ministro da imigração Eric Besson, ex-socialista cooptado por Sarkozy (como o ministro das Relações Exteriores, Bernard Kouchner) não gosta que chamem o artigo L 622-1 – o código de entrada de estrangeiros – de delito de humanidade, delito de generosidade ou delito de solidariedade. O artigo citado diz que “toda pessoa tendo, por ajuda direta ou indireta, facilitado ou tentado facilitar a entrada, a circulação ou a permanência irregular de um estrangeiro na França é passível de pena de cinco anos de prisão e 30 mil euros de multa”.
Associações como o Secours Catholique, Emmaüs e a Cimade querem acabar com as penas para o que chamam de “delito de solidariedade” e defendem a modificação da lei.
Na Itália berlusconiana, a direita pede a médicos e enfermeiros que atendem pessoas ilegais que os denunciem! A direita européia adota cada vez mais um discurso neofascista e o parlamento europeu deu uma guinada à direita depois das eleições européias de junho. Triste Europa!

A evitar ?

Pouco tempo antes de ter de pegar o avião para ir ao Brasil, caíram três aviões, dois no mar e um tupolev iraniano sobre o continente, abrindo uma enorme cratera. De todas as catástrofes, apenas uma sobrevivente, a jovem Bahia, de 14 anos, moradora da região parisiense.
Para meu desespero, a companhia em que vou voar, TAM, está no grupo D (a evitar) de uma classificação de 57 companhias aéreas. Desespero : o que fazer? Jogar fora a passagem já comprada? Comprar uma passagem de uma companhia do grupo A?
A lista de classificação das companhias aéreas pelo grau de fiabilidade foi publicada por um jornal francês depois do acidente da Air France na rota Rio-Paris. Os critérios da classificação foram, entre outros, a idade dos aviões, a manutenção, os incidentes e acidentes ocorridos. Esse estudo foi baseado em dados técnicos fornecidos pelo Observatório da Segurança aérea e do turismo de Genebra (Obssat, em francês). Quem fez o estudo foi François Nénin, jornalista especializado em segurança aérea.
O grupo A (bom nível) tem as companhias mais seguras, na ordem publicada: Singapore Airlines, Qatar Airways, Cathay Pacific, Emirates, Easyjet, Air Canada, Lufthansa, British Airways, Tunisair, United Airlines. No grupo B (nível correto) estão várias outras, começando pela Air France. No grupo C (sob reserva) mais uma dezena, entre elas American Airlines e Continental Airlines. A brasileira TAM abre o grupo D (a evitar) e o grupo E contém as da lista negra, proibidas na Europa ou na lista de espera da proibição.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Homem sem camisa é atentado ao pudor




















Atenção rapazes : em Paris, nunca tirem a camisa, mesmo quando no verão os termômetros resolverem ultrapassar os 30 graus. Vocês correm o risco de darem de cara com um policial que vai fazê-los pagar uma multa de 140 euros por “atentado ao pudor”. A menos que estejam no perímetro de Paris-Plage, a praia artificial criada todo ano em agosto pela prefeitura de Paris na margem direita do Sena.
A história de um americano que teve de pagar a multa me foi contada por meu cabeleireiro que ouviu de uma cliente americana. Há poucos dias, fez calor em Paris. Um amigo dela acalorado tirou a camisa e descobriu que homem sem camisa em Paris é atentado ao pudor. Pagou 140 euros.
Nas praias francesas, as mulheres pegam sol sem sutiã desde priscas eras e ninguém olha, a não ser trabalhadores imigrantes, eventualmente de passagem. Eles não estão acostumados a ver isso por suas terras.
Além de seios de fora, crianças nuas brincando na areia é muito comum nas praias francesas. As fotos foram feitas numa praia da Côte d’Azur.


Lula em Paris : prêmio da Paz na Unesco


“Ele é o representante de uma das grandes economias emergentes que parecem mais aptas a sair rapidamente da crise atual que as outras”. “Ele” é o presidente brasileiro Luiz Inacio Lula da Silva que o Le Monde apresenta como “Luiz Inacio da Silva – chamado “Lula”. O jornal francês de referência não o trata pelo apelido sem explicar aos leitores que trata-se de um apelido. Lula foi a manchete principal do jornal datado de 8 de julho: “Lula: em matéria de economia, o G-8 não tem mais razão de ser”. Na excelente entrevista, o presidente diz que teme que “certos países ricos façam do G-20 apenas um uso utilitário para superar a crise”. Ele defendeu foruns multilaterais que compreendam não somente os países do BRIC (Brasil, Rússia, India e China) mas também o México, a Africa do Sul, a Indonésia e os países árabes. Lula estava de passagem por Paris, onde encontrou o presidente Sarkozy no Palácio do Eliseu. Aplaudidíssimo ao final de seu discurso na Unesco, onde recebeu o “Prêmio Felix Houphouët-Boigny para a busca da Paz”, o presidente Lula estava acompanhado dos ministros Tarso Genro, Fernando Haddad e Celso Amorim. Da capital francesa, ele seguiu para Áquila, para o encontro do G-20. Na Unesco, depois de ouvir diversas autoridades (entre elas, o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates e o ex-presidente Mário Soares) ressaltarem sua ação social no Brasil e sua ação pela paz e pelo Estado de direito na América Latina, Lula defendeu a paz como prerrogativa do Estado de direito para promover a dignidade humana e a justiça social. Lembrando a enorme dívida social que o Brasil tem com os mais fracos, o presidente afirmou : “Não haverá paz verdadeira enquanto houver fome, desigualdade e desemprego”.
Através de Lula e do reconhecimento internacional de sua ação em favor dos excluídos podemos sentir orgulho de ser brasileiros. Segundo informou a Unesco, um terço dos ganhadores do “Prêmio Felix Houphouët-Boigny para a busca da Paz” receberam depois o Nobel da paz. Para desespero dos tucanos, Lula tem chances de ser nosso primeiro Nobel.


Paris, capital do cinema


Embarras du choix é a melhor expressão para definir o dilema de escolher um filme em Paris, a menos que se possa ir ao cinema todo dia. Temos uma amiga, a socióloga, escritora e historiadora Régine Robin, cinéfila de carteirinha, que quando está em Paris, onde tem apartamento e mora parte do ano, vai ao cinema todo dia, às vezes duas vezes por dia. Em Paris, a festa do cinema dura 365 dias por ano. Todo mundo sabe que não há cidade mais cinéfila na face da terra, porque não há povo mais cinéfilo que o francês. Louis Lumière talvez explique essa paixão pelo cinema. A cidade tem atualmente “somente” 379 salas de cinema (em 1977 tinha 456 cinemas), entre as quais 89 são cinemas de arte. Depois de uma semana da “Fête du cinéma”, de 27 de junho a 3 de julho, na qual vi tudo o que podia, Paris entrou em ritmo de Festival Paris-Cinéma, o festival de cinema da cidade. Este ano, o festival tem a Turquia como país homenageado por ser o ano da Turquia na França. Um grande barato para quem quer ver em primeira mão o melhor da cinematografia turca. Mas tem também atores, atrizes e diretores homenageados. Este ano, retrospectiva dos melhores filmes do cineasta de Taiwan Tsaï Ming-Liang, da cineasta japonesa Naomi Kawase, da atriz Claudia Cardinale e do ator Jean-Pierre Léaud, o ator preferido de Truffaut. Além de clássicos do cinema italiano. Aproveito para ver “Divórcio à Italiana”, a obra-prima de Pietro Germi. Se eu não tivesse um jantar com amigos, teria ido à sessão no Saint-Germain-des-Prés apresentada por Chiara Mastroianni, filha do ator principal do filme, um tal de Marcello Mastroianni. Lamentei não poder ir à sessão em que Claudia Cardinale apresentou pessoalmente “La Viaccia”, de Mauro Bolognini, do qual é a atriz principal. Em compensação, há dois anos fui vê-la apresentar a nova cópia do clássico “A moça com a valise”, de Valerio Zurlini, juntamente com Jacques Perrin. Naquele dia pude constatar como o tempo é cruel com os homens. O jovem Perrin do filme tornou-se um senhor de cabelos brancos, enquanto Claudia, graças a Luc Montagnier, o prêmio Nobel de Medicina do Ano passado, inventor de pílulas à base de papaya para retardar o envelhecimento, continua linda e radiante. Ela faz a publicidade das tais pílulas de Montagnier. Mas não conta que além de pintar os cabelos deve ter passado por alguns liftings, ao contrário de Perrin que não pinta o cabelo e aceita que o tempo passe e deixe suas marcas. Entre os filmes deliciosos que passam em Paris, o novo Woody Allen, “Whatever works” um deleite para os fãs do diretor, que volta com seu personagem insuperável do intelectual neurótico nova-iorquino, interpretado pelo ator Larry David. Imperdível o ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro, Departures (A partida, no Brasil), do diretor Yojiro Takita, um dos mais belos e delicados filmes que vi em toda minha vida.

Stéphane Hessel, Monsieur droits de l'homme

Leia na revista Tropico:
Israel no banco dos réus
Por Leneide Duarte-Plon

Redator da Declaração dos Direitos Humanos, Stéphane Hessel explica tribunal para julgar crimes na Palestina. Leia aqui.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Michael Jackson, le dernier dandy

O melhor texto sobre a morte do “rei da pop” que li foi do filósofo e escritor Daniel Salvatore Schiffer que escreveu no Libération um artigo com o título acima. Ele explica por que Michael Jackson foi o último dandy, como conceituaram Oscar Wilde, Baudelaire e Albert Camus. Incrivelmente inteligente o texto de Schiffer. Wilde escreveu em “Fórmulas e máximas para o uso dos jovens”: “O primeiro dever na existência é ser o mais artificial possível”. Para Wilde, “o verdadeiro dandy deve ser ou uma obra de arte ou usar uma obra de arte”.
Baudelaire, outro dandy, em “Elogio da maquiagem” diz: “Quem ousaria limitar a arte a uma função estéril de imitar a natureza? A maquiagem não tem que se esconder, se escamotear. Ela pode, ao contrário, se exibir, senão com afetação, ao menos com uma espécie de candura”.
Schiffer escreve que essa “obsessiva e quase compulsiva vontade de criar uma aparência corporal cujas exigências formais não correspondem mais aos cânones naturais levando o rosto a se assemelhar a uma máscara (figura artística, em preto e branco de anjo e demônio) é a primeira prerrogativa da estética dandy”. A prova é que o assunto central da obra-prima da literatura dandy, ”O retrato de Dorian Gray”, de Wilde _ como também o mito eminentemente romântico de “Fausto”, de Goethe _ é uma busca permanente da juventude e da beleza. E, paradoxalmente, essa busca leva à morte.
Mas quem melhor resumiu o arquétipo do dandy foi, segundo Schiffer, Camus no livro “L’homme révolté”. Uma frase final para resumir o pensamento de Camus: “O dandy representa sua vida, já que não pode vivê-la. Ele a representa até a morte, menos em momentos em que está sozinho e sem espelho. Estar sozinho para o dandy é o mesmo que não ser nada”.
Daniel Salvatore Schiffer é autor dos livros « Philosophie du dandysme – Une esthétique de l’âme et du corps » e de « Oscar Wilde ». O que ele diz sobre o dandy cai como uma luva em Michael Jackson, um gênio atormentado. Teria sido ele o mesmo se tivesse deitado num divã?

Métro, boulot, dodo

A população francesa vive cada vez mais. Consequentemente, a Sécurité Sociale acumula um déficit monstruoso. Para remediar o rombo da Sécu, o governo estuda, sob protestos generalizados, a modificação da idade de aposentadoria, fixada atualmente em 60 anos, no mínimo. Na Suécia, a idade média de aposentadoria (não o previsto em lei mas a idade média de saída do mercado de trabalho) é de 64,2 pra os homens e 63,6 para as mulheres. Na França, essa idade média é de 59,5 para os homens e de 59,4 para as mulheres.
Todo mundo conhece a fama dos franceses. Para os estrangeiros, o francês é um “bon vivant” : gosta de beber bons vinhos, comer bem, com prazer e tempo para degustar o que come (e falar de comida, de como preparam e dos pratos e temperos exóticos que degustaram nas últimas férias). Um estudo da OCDE revelou que os franceses passam 130 minutos por dia à mesa (os pobres ingleses apenas 80 minutos!). Não preciso explicar a diferença entre o que comem os dois povos. A culinária inglesa não é conhecida por sua sofisticação e nem os ingleses pelo paladar refinado, ainda que as coisas venham mudando do outro lado do Canal da Mancha.
Mas além do recorde à mesa, os franceses também são os europeus que mais dormem. Mesmo que tenham criado a expressão métro-boulot-dodo para demonstrar o trepidante ritmo de vida urbano, os franceses dormem mais que os espanhóis, famosos pelas longas siestas. Quanto dorme em média um francês? 8 horas e 50 minutos por dia.
O jornalista Robert Solé, cuja crônica no Le Monde é uma delícia de concisão e inteligência, sugere três explicações: 1. A pátria dos direitos humanos dorme o sono dos justos e confia no seu governo. 2. O tempo passado sob os lençóis, não é apenas de sono. Há quem se divirta. 3. A França está totalmente entorpecida pelos antidepressivos. Os franceses são os maiores consumidores de antidepressivos do mundo.
Acho que a terceira é a mais plausível. Inclusive porque explica em parte o buraco da Sécurité Sociale: quem paga o antidepressivo, além das aposentadorias, é ela.

O Mitterrand de Sarkozy

De Gaulle teve André Malraux. François Mitterrand teve Jack Lang. Sarkozy estava por fora. Tinha Christine Albanel, uma ministra da cultura sem carisma, sem amigos na área artística, sem presença.
Agora, na mudança ministerial que resolveu fazer depois das eleições européias, Sarkozy entrou para o time dos presidentes que têm um ministro da cultura “in” capaz de fazer brilhar a cultura francesa. Com a nomeação de Frédéric Mitterrand, sobrinho do ex-presidente, Sarkozy tem o seu Mitterrand no governo. As más línguas dizem que ele nomeou um sobrenome e que tudo isso é para fazer mais mal ao já combalido partido socialista. Mas Frédéric, um homem de cultura e independente, nunca foi exatamente um homem de esquerda. Era sobrinho de um ícone da esquerda e tinha uma vida cultural trepidante: é escritor, teve programa cultural na TV e ocupava atualmente, nomeado por Sarkozy, o cargo de diretor da Villa Médicis, o importante centro cultural francês em Roma.
Esta semana, Mitterrand inaugurou o ano da Turquia na França, cujos eventos estiveram ameaçados depois que Sarkozy reiterou várias vezes sua oposição à entrada da Turquia na União Européia. Os turcos não gostam de Sarko, 73% deles dizem não confiar no presidente francês.
Quanto a Jack Lang, num livro de entrevistas publicado este ano, o ex-ministro da cultura de Mitterrand dizia que não entraria no governo Sarkozy. E confirmava que foi sondado para ser o ministro da Cultura de Sarko no dia da vitória do presidente, em 2007. Lang recusou o convite e explica:
“Ministro para quê? Para assumir uma orientação da qual discordo? Como eu poderia ser solidário com uma política fiscal que condenei publicamente, uma política educacional catastrófica, uma política penal que é o oposto de minha concepção dos direitos humanos?”
Isso não impediu que o ex-ministro de Mitterrand fosse a Cuba como enviado especial de Sarkozy para encontrar o presidente Raul Castro. Mas em Cuba, ele não precisa assumir a política fiscal, educacional e penal de Sarko.

De olho na mídia

Esse é o nome de um site de caçadores de antissemitas (deolhonamidia.org.br). De um amigo judeu recebo um desenho publicado no site com o texto:
Uma imagem que vale por mil palavras - A charge abaixo, publicada na coluna Dry Bones do Jerusalem Post e traduzida em conjunto com o grupo Artision caiu em nossas mãos um dia após a publicação do nosso último comentário. Ela traduz tudo que ele quis passar e muito mais em uma imagem só (uma ilustração com diálogos, mas ainda assim um desenho). Reflexo de omissões e distorções criminosas da ONU, mídia e governo Obama, ela é um protesto contra um mundo ainda intrinsecamente antissemita.
Atenção, o mundo é antissemita ! A frase já veio sublinhada.
O remetente é psicanalista e está convencido de que sou antissemita por tudo o que já escrevi no meu blog criticando a política dos sucessivos governos e governantes racistas e expansionistas de Israel.
A charge que veio junto, que infelizmente não pude copiar mostra alguém dormindo e uma voz que anuncia, “A Coréia do Norte está preparando uma guerra nuclear” e o personagem continua a dormir. Depois alguém grita “Genocídio sudanês em Darfur”, o sono continua. Novo alerta: “Risco no Paquistão, terrorismo islâmico crescendo”, ele dorme. “Loucos iranianos, traficantes de droga na América Latina, piratas na Somália”, o sono continua. No último quadrinho: “Judeus constroem casas na Margem Ocidental”. O personagem que dormia, se levanta e diz: ”Como?”
Repassei a amigos com meu comentário:
Esse desenho e o que ele expressa não estaria próximo da paranóia, definida no dicionário de psicanàlise como "delírio sistematizado" que "inclui o delírio de perseguição, a erotomania, o delírio de grandeza e o delírio de ciúme"?
O desenho é de uma enorme "mauvaise foi". A "Margem Ocidental" é nada menos que o território palestino, a Cisjordânia, que pertence (por decisão da ONU de 1948) a um povo que há 60 anos espera construir nele um Estado para viver como vizinho ao Estado de Israel.
Quem defende os "judeus que constroem casas na Margem Ocidental" seria capaz de defender a ocupação da França pelos alemães?
A resistência a essa ocupação é consagrada como uma das páginas mais nobres da história francesa.
De Maria Rita Kehl, psicanalista conhecida por sua honestidade intelectual, recebo o e-mail:
“Oi, Leneide, todo meu apoio a você. Também acho uma tremenda má fé interpretar a condenação à política racista e abusiva do estado de Israel como antissemitismo. Se quiser, pode incluir essa opinião no seu blog. Tenho visto muitos documentários onde aparecem judeus que apoiam os palestinos contra o abuso da força daqueles que, protegidos pelo exército israelense, expulsam os moradores e constroem casas na Margem Ocidental. Então esses judeus seriam antissemitas por reivindicarem justiça para seus vizinhos? Um beijo. Rita Kehl.
Aqui na França, como no Brasil, os judeus se dividem há alguns anos entre os que apoiam Israel incondicionalmente e os que criticam a política racista e colonialista do país. Tenho uma amiga, Régine Robin, socióloga e historiadora conceituada que vive entre Paris e Montréal quando não está fazendo conferências em universidades do mundo inteiro, que foi expulsa da casa de amigos judeus de Paris, porque seu marido fez restrições severas à política de Israel. O jantar foi interrompido e eles partiram. Detalhe: tanto Régine quanto seu marido, ambos professores aposentados da Universidade de Quebec-Montréal, são judeus. E ambos criticam com veemência a política expansionista e brutal de Israel.
A Anistia Internacional divulgou no dia 1 de julho um relatório sobre o bombardeio de Gaza que matou centenas de civis, entre eles 300 crianças, 115 mulheres e 85 homens idosos, entre os 1400 palestinos mortos (houve 5000 feridos). O relatório acusa o exército israelense de ter usado a população civil para formar um escudo humano para se proteger dos ataques do Hamas. Além disso, os civis palestinos eram obrigados a examinar objetos suspeitos de serem bombas. A Anistia Internacional solicita procedimentos judiciais para condenar Israel por “crimes de guerra”.
Mais um ato de um “mundo intrinsecamente antissemita”?