quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pompeia e a negligência berlusconiana



Em Pompeia, a casa dos gladiadores desabou. Depois de dois mil anos em pé, ela foi derrubada pelas fortes chuvas de novembro. Foi vítima indireta do plano de economia do governo, que decretou cortes de verbas de 29 bilhões de euros para o setor público.

A catástrofe no sítio arqueológico de Pompeia é consequência do (des)governo de Berlusconi em relação ao patrimônio cultural do país, a maior riqueza da Itália. Falta verba para proteger as ruínas da cidade histórica, destruída pelo Vesúvio no ano 79 de nossa era. « Quando uma empresa está em dificuldade, ela se concentra no cerne de sua atividade. Ora, o cerne na Itália é a cultura » criticou o vice-prefeito de Gênova, Andrea Ranieri.

O extraordinário sítio arqueológico de Pompeia está em risco. Resistiu quase dois mil anos à erosão do tempo e a todo tipo de pilhagem até ser totalmente protegido pelos órgãos do Patrimônio Histórico italiano. As casas, os afrescos, os objetos e as esculturas de Pompeia foram estudados por arqueólogos e parte do que podia ser transportado está hoje protegido no magnífico Museu Arqueológico de Nápoles.


Este ano visitamos Pompeia. A ida à antiga cidade balneária é uma viagem no tempo. Em alguns minutos passamos de 2010 ao primeiro século de nossa era, vemos como viviam, comerciavam, amavam e se divertiam (inclusive nos bordéis, como mostra a foto com um pênis em pedra na porta) os cidadãos da rica Pompeia. Os habitantes foram surpreendidos pelas lavas e gazes expelidos pelo Vesúvio e a vida parou.



As fotos mostram a impressionante conservação de alguns afrescos internos das casas mais ricas, as ruas, os templos, as esculturas e os mosaicos como o da entrada da casa em que se vê um cão e a expressão em latim : Cave canem (Cuidado com o cão), frase universal para afastar ladrões e visitas inoportunas.



O céu estava azul, os jardins dentro do perímetro urbano de Pompeia estavam exuberantes, em plena primavera. O verde das plantas contrasta com as pedras das colunas de mais de dois mil anos.


Os corpos calcinados estão lá, são reais, na posição em que foram imobilizados para sempre. Sic transit gloria mundi.












Fotos de Leneide Duarte-Plon




Votar ou não votar, eis a questão

O novo livro de Michel Houellebecq, La carte et le territoire (Editions Flammarion), foi premiado com o prêmio Goncourt, em novembro, poucas semanas depois de lançado. Antes do prêmio, o novo romance de Houellebecq já tinha vendido 170 mil exemplares. Agora vai triplicar ou quadruplicar esse número. Os editores franceses sabem que existe um público que lê apenas um livro por ano e este livro é o ganhador do Goncourt.

Esse prêmio, além do prestígio literário que representa para o autor, funciona como uma formidável alavanca de vendas, uma espécie de grande prêmio da loteria. A ganhadora do ano passado, Marie NDiaye, que venceu com Trois femmes puissantes (Editions Gallimard) tinha vendido 79 mil exemplares do livro antes do prêmio. Depois do anúncio do Goncourt, Trois femmes puissantes já vendeu 515 mil exemplares em um ano.

Polêmico, desagradável, mal-humorado, mas respeitado pela crítica e com um público fiel no mundo inteiro, desde que lançou seu primeiro livro, Extension du domaine de la lutte (Editions Maurice Nadeau), Michel Houellebecq não se interessa nem por política nem por políticos.

Numa entrevista depois do Goncourt ele se explicou : «Não sou um cidadão e não tenho vontade de vir a sê-lo. Essa história de ter deveres para com seu país não existe. Somos indivíduos, nem cidadãos nem súditos. A França é um hotel, nada mais. Estamos num período de relativo esgotamento da democracia representativa. Seria preciso haver mais democracia direta. Não tenho vontade de votar por alguém, eleger meu rei. Por outro lado, acho frustrante não ser consultado mais frequentemente. Gostaria que houvesse mais democracia real, mais plebiscitos ».

Longe, muito longe do nihilismo (ou seria cinismo ?) de Houellebecq, o filósofo marxista Alain Badiou, organizador com Slavoj Zizek da conferência e do livro L’idée du communisme (Londres, 2009) declarou a um jornalista francês que não vota desde 1968, por não concordar com a « falsa democracia » expressa nas eleições parlamentares e presidenciais.

Depois de ter sido impedida de votar para presidente do Brasil de 1964 a 1989, acho difícil prescindir desse direito, mesmo concordando em parte com Badiou, de quem frequento o concorridíssimo seminário há dois anos, na École Normale Supérieure, onde se formaram grandes nomes da filosofia francesa, entre eles, Sartre, Beauvoir, Derrida e o próprio Badiou.

Israel : boicotar seria a solução ?

No Le Monde, alguns dias atrás, um manifesto assinado por franceses e israelenses pede o boicote a Israel. O título é Boycotter Israël, une lutte pour une paix juste. A campanha que defende o boicote aos produtos israelenses na França se chama Boycott-Désinvestissement-Sanctions (BDS). A petição que defende o boicote é uma resposta a um outro texto publicado no mesmo jornal em que a campanha pelo boicote era considerada “injusta”.

Conheço de longa data alguns dos que assinam a petição pelo boicote, entre eles, o editor Eric Hazan, o escritor e jornalista Michel Warschawski, filho do rabino Max Warschawski e criador do site de informação “The alternative information center” (www.alternativenews.org/english/) e o cineasta israelense Eyal Sivan, que entrevistei, membro como Warschawski, da organização Boycott from Within. Michel Warschawski é também membro do comitê que criou o Tribunal Russel para a Palestina, para julgar os crimes de guerra de Israel em Gaza, cujos trabalhos começaram em 4 de março de 2009.

No texto publicado no Le Monde, os signatários explicam que a campanha Boycott-Désinvestissement-Sanctions (BDS) tem como único objetivo a exigência que Israel « honre sua obrigação de reconhecer o direito inalienável dos Palestinos à autodeterminação e respeite plenamente as diretivas do direito internacional ». Segundo o texto, Israel se recusa a cumprir mais de 30 resoluções do Conselho de Segurança da ONU « atitude no mínimo paradoxal da parte de um Estado criado por uma resolução das Nações Unidas. A cada dia, com a colonização, são as convenções de Genebra que são violadas. Em julho de 2004, a Corte internacional de Justiça (CIJ) recomendava a Israel a destruição do muro construído na Cisjordânia : o muro continua a ser construído. »

Para ler a íntegra do texto Boycotter Israël , une lutte pour une paix juste é só colocar na internet o endereço:

http://www.lemonde.fr/idees/article/2010/11/17/boycotter-israel-une-lutte-pour-une-paix-juste_1440957_3232.html

domingo, 14 de novembro de 2010

O povo unido nas ruas de Paris






























Fotos de Leneide Duarte-Plon, feitas na passeata de 28 de outubro contra a lei de reforma das aposentadorias, que partiu da Place de la République e terminou em Saint-Augustin, passando diante dos grands magasins do Boulevard Haussmann.


O Théâtre du Soleil tendo à frente a diretora e fundadora, Ariane Mnouchkine (que dirigia pessoalmente seu grupo), desfilou com a boneca gigante representando a Justiça. De vez em quando o grupo parava para uma performance com música e encenava a luta da Justiça para se livrar de aves de rapina que a atacavam.


O senhor de cabelos brancos é Alain Krivine, fundador da LCR (Ligue Communiste Révolutionnaire) que se dissolveu em 2008, dando origem ao atual NPA (Nouveau Parti Anticapitaliste).

As fotos são eloquentes e mostram a determinação dos franceses na defesa das conquistas sociais. A aposentadoria aos 60 anos foi uma lei do governo Mitterrand e a passagem a 62 anos é vista pela maioria dos franceses como um retrocesso.

A nova lei foi adotada à força e o movimento social, que promoveu greves e diversas megapasseatas, foi vencido. No dia 28 de outubro, em plena semana de férias da Toussaint, "apenas" cerca de 200 mil pessoas desfilaram em Paris. Em toda a França elas eram mais de um milhão nas ruas de dezenas de cidades. Mas Sarkozy continuou surdo e seguiu em frente.

A eleição presidencial de 2012 vai mostrar se Sarkozy ainda consegue convencer a maioria da necessidade de mudar a França, adaptando-a à mundialização neoliberal, destruindo as conquistas dos trabalhadores e o modelo social francês.

Dominique Strauss-Kahn, o big boss do FMI, pode ser o candidato do Partido Socialista. Será que é de um banqueiro que a França precisa?








quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Manifesto dos verdes europeus censurado pela patética mídia nativa


Hoje, os bilhetes estão a serviço de uma causa. A da democracia e do pluralismo da informação. "Nossa patética mídia nativa" (copyright Mino Carta), que pensa que os leitores acreditam no mito da objetividade e da neutralidade que ela tenta veicular, só tem espaço para boatos e sensacionalismo anti-PT na campanha sórdida de defesa dos interesses dos mesmos predadores que dominaram o país por 500 anos e foram desalojados do poder pelo voto democrático que elegeu o presidente Lula em 2002.

Assim, não houve espaço na imprensa brasileira para o manifesto dos verdes europeus à candidatura de Dilma Rousseff.

Yann Moulier escreveu com a ajuda de alguns brasileiros um texto de apoio dos principais líderes do Partido Verde francês à candidata Dilma Rousseff. A imprensa brasileira, « neutra e objetiva », não quis publicar o texto explicando que « os signatários não eram conhecidos e o texto não era interessante ».

Daniel Cohn-Bendit não é conhecido. José Bové não é conhecido. Deputados e senadores franceses e europeus são pessoas sem interesse para nossa imprensa.

Ah, essa nossa patética mídia nativa ! (copyright Mino Carta).

Leiam e julguem. E vejam no fim do texto os desconhecidos que o assinam.

Paris 18 de outubro de 2010

No quadro das atuais circunstâncias do Brasil, a ancoragem na esquerda é a única possibilidade real de fazer avançar a causa ecológica

« É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula acabe terminando no segundo turno com a eleição do candidato da direita »

A candidatura de Marina Silva trouxe para o eleitorado de Dilma, a pupila de Lula, a grande surpresa do primeiro turno.

É preciso saudar a novidade que representa a candidatura de Marina Silva que já lutava, desde o período de sete anos em que foi ministra do governo Lula, para fazer entrar verdadeiramente as questões ecológicas na pauta de preocupações do governo brasileiro de esquerda. Com sua presença no escrutínio, a diversidade de lutas sociais, de todas as minorias (sexuais, religiosas) encontrou uma voz.

O placar de 19% do total de votos para uma candidata independente, sem apoio de partidos poderosos, representa a segunda grande surpresa. Ele prova que o Brasil se transforma muito mais profundamente do que apenas no plano do crescimento econômico. Para a democracia e a cultura, este já é um passo considerável.

Na América Latina, da Colômbia ao Chile, e agora também no Brasil, para além dos diferentes contextos, as questões ecológicas entram definitivamente na pauta das eleições presidenciais, o que não é mais o caso na Europa. O Brasil é a sétima potência mundial. Nenhum europeu em sã consciência pode se desinteressar pelo que está em jogo para os destinos ecológicos e sociais do planeta.

Esta é a razão pela qual desejamos, através deste manifesto, expressar nossa inquietação. A batalha do segundo turno se anuncia bastante cerrada e, algo impensável até ontem, uma vitória da direita não está mais excluída. Na configuração de hoje, o partido verde está longe de ter a dimensão popular de Marina Silva. Algumas personalidades como Gilberto Gil, ele mesmo afiliado a este partido, conclamam a que se vote em Dilma sem ambiguidade. E nós compartilhamos desta posição.

Prestemos bastante atenção ao seguinte: José Serra não é um social democrata de centro. Por trás dele, a direita brasileira vem mobilizando tudo o que há de pior em nossas sociedades: preconceitos sexistas, machistas e homofóbicos, junto com interesses econômicos os mais escusos e míopes. A direita sai do porão.

- Contra as mulheres, as facções mais reacionárias das igrejas cristãs – incluindo aquela da mulher do candidato da direita que declarou publicamente que Dilma quer assassinar criancinhas – acusam a candidata de ser favorável ao aborto, mesmo que esta questão não faça parte de seu programa de governo, tampouco do programa do Partido dos Trabalhadores.

- Contra os homossexuais: o vice de Serra sustenta um discurso abertamente sexista e homofóbico.

- Contra os pobres: acusados de votar na esquerda por ignorância.

A esta panóplia, bem conhecida em toda parte, vem se juntar uma criminilização particularmente ignóbil por parte da direita das lutas de resistência contra a ditadura. Dilma tem sido alvo de campanhas anônimas na internet que acusam de terrorismo e de bandidagem por ter participado na luta contra o regime militar, ela que foi por este motivo presa e barbaramente torturada.

A mobilização da direita está completamente ligada aos interesses do agro-negócio, um vínculo sobre o qual o governo Lula tem sido ambíguo em alguns momentos. No entanto, uma vitória da direita representaria o triunfo do complexo agro-industrial e dos céticos em matéria de aquecimento global. Seria uma guinada à direita em direção à revisão do estatuto da floresta que começou a limitar a devastação na Amazônia e no Mato Grosso, e no asseguramento dos direitos indígenas sobre suas reservas, que no ano passado obtiveram uma importante vitória (Raposa Serra do Sol) referendada pela Corte Suprema do país, que reconheceu esses direitos. Vinte e duas reservas indígenas podem seguir este caminho de enfrentamento com o agro negócio da soja e do arroz transgênico.

Não permitamos que o voto libertário em Marina Silva paradoxalmente se transforme em uma catástrofe para as mulheres, para os direitos humanos e para os direitos da natureza!

No plano internacional, os aspectos mais inovadores da política Sul-Sul de Lula (certamente pelo fato de seu apoio a Ahamdinejad), seriam condenados ao ostracismo com um realinhamento com os Estados Unidos. Além de representar uma alternativa à fixação estéril em uma política de confronto entre Estados Unidos e China, esta política Sul-Sul se opõe às estratégias dos países do Norte de multiplicar as medidas de defesa dos direitos da propriedade intelectual em detrimento do acesso aos saberes, à internet (especialmente no âmbito da ACTA[1]).

Marina Silva recusou-se a manifestar apoio ao voto em Dilma. Pode-se compreender que seja um pouco difícil para ela se alinhar imediatamente com Dilma, com quem ela entrou em conflito enquanto no governo, e neste momento ela luta para evitar o alinhamento do partido verde com a direita, apesar da campanha virulenta contra ela por parte do PT.

Com efeito, os ecologistas estão travando, não só na Europa, como em vários países do mundo, um sério debate com os socialistas sobre a questão nuclear, sobre a OMC e o produtivismo agrícola e industrial, bem como o problema do aquecimento climático. No Brasil, agrega-se a todas essas questões uma dimensão – amplificada por sua urgência crucial – da luta contra as desigualdades. Pode-se compreender, portanto, a reserva de alguns ambientalistas em se alinharem com a candidata da esquerda.

Mas nossa experiência como força política e de oposição e governo na Europa nos permite afirmar a nossos companheiros brasileiros que, nas atuais circunstâncias do Brasil, a ancoragem na esquerda é a única possibilidade real de fazer avançar a causa ecológica: já vimos no que se tornou a « Grenelle » – Ministério do Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável, Energia e Transportes – na França com a direita.

Quanto às mulheres, às minorias étnicas, religiosas, sexuais, elas sabem aonde têm que se bater. A xenofobia, o racismo, a mobilização reacionária da religião são os perigosos instrumentos que a direita populista utiliza alegremente na Europa.

É impossível acreditar que a esperança suscitada pelos dois mandatos presidenciais de Lula acabe terminando no segundo turno com a eleição do candidato da direita.

Daniel Cohn-Bendit (Alemanha) co-président du groupe parlementaire des

députés Verts au Parlement Européen

Monica Frassoni (Itália) co-présidente du Parti des Verts Européens

Philippe Lamberts (Bélgica) co-président du Parti des Verts Européens

Dominique Voynet (França) Senadora, Prefeita da Cidade de Montreuil , ex-

Ministra do Meio Ambiente (gov. Jospin)

Yves Cochet – ( França) Deputado Nacional, ex-MInistro do Meio Ambiente

(Gov. Jospin)

Noël Mamère (França) – Deputado Nacional e Prefeito de Bègles (Bordeaux)

José Bové (França) - Deputado europeu

Alain Lipietz (França) - dirigente dos Verdes, ex-deputado europeu

Jérôme Gleizes (França) – Dirigente da comissão internacional dos Verdes

Yann Moulier Boutang (França) Co-diretor da Revista Multitudes (Paris)


Mais uma daquela revista

Pedro Abramovay não é meu amigo. Não o conhecia nem mesmo de nome. Mas recebi de amigos sua nota, na qual esclarece mais uma leviandade da revista “Veja”, na qual trabalhei alguns anos, quando ela ainda não tinha se tornado a revista fascista que é hoje.

NOTA DE PEDRO ABRAMOVAY

Nego peremptoriamente ter recebido, de qualquer autoridade da República, em qualquer circunstância, pedido para confeccionar, elaborar ou auxiliar na confecção de supostos dossiês partidários. Não participei de supostos grupos de inteligência em nenhuma campanha eleitoral. Nunca, em minha vida, tive que me esconder.

A revista Veja, na edição número 2188 de 2010, afirma ter obtido o áudio de uma gravação clandestina entre mim e um ex-colega de trabalho. Infelizmente a revista se recusou a fornecer o conteúdo da suposta conversa ou mesmo a íntegra de sua transcrição.

Dediquei os últimos oito de meus 30 anos a contribuir para a construção de um Brasil mais livre, justo e solidário, e tenho muito orgulho de tudo o que faço e de tudo o que fiz. Trabalhei no Ministério da Justiça como Assessor Especial, Secretário de Assuntos Legislativos e Secretário Nacional de Justiça, conseguindo de meus pares respeito decorrente de meu trabalho.

Apesar de ver meu nome exposto desta forma, não foi abalada minha fé na capacidade de transformação de nosso país e tampouco na crença da importância fundamental de uma imprensa livre para o fortalecimento de nossa democracia.

Pedro Vieira Abramovay
Secretário Nacional de Justiça