sábado, 25 de setembro de 2010

Balanço dos anos Lula - Os jornalistas (franceses) adoram nosso presidente

Leneide Duarte-Plon, de Paris*

O momento não poderia ser melhor para a imprensa francesa dedicar números especiais ao Brasil: o segundo mandato do presidente Lula chega ao fim. Um balanço dos últimos oito anos serviu de pretexto para três revistas importantes produzirem especiais que estampam na capa títulos que jamais poderiam ser lidos nos jornaleiros brasileiros:
Le Monde Diplomatique-Manière de voir : “Là où le Brésil va… » (Para onde o Brasil for…) ;
Les Inrockuptibles : « Brésil, le pays où la gauche a réussi » (Brasil, o país onde a esquerda deu certo)
Le Monde-hors série : « Brésil, un géant s’impose » (Brasil, um gigante se impõe).

Os jornalistas e intelectuais franceses se mostram cada vez mais interessados por um país de dimensões continentais que aparece como uma potência emergente do século XXI. Sem angelismos, com análises críticas sobre violência urbana, desigualdades abissais e outras mazelas, as revistas são unânimes em apontar o legado positivo.

Para explicar o país e sua história aos leitores, Le Monde Diplomatique dedicou ao Brasil um especial da série “Manière de voir”, de outubro-novembro, com o título « Là où le Brésil va… » (Para onde o Brasil for…), parte da frase atribuída a Nixon que dizia : « Para onde for o Brasil irá a América Latina ». Os artigos são uma seleção de textos publicados no Le Monde Diplomatique de 1975 a setembro de 2010 por jornalistas, economistas e professores universitários, além de uma cronologia da história recente e resumo biográfico dos principais candidatos à presidência e outros personagens da história recente.

Os textos analisam o país sob diversos ângulos. Quem conseguir ler todos terá aprendido muito sobre o Brasil. O penúltimo texto, do jornalista Lamia Oualalou, publicado originalmente em janeiro de 2010, chama-se Brasília oublie le “complexe du chien bâtard » (Brasília esquece o « compexo de vira-latas ») e resume seu conteúdo na abertura : « Tendo sofrido muito tempo do “complexo de vira-latas – caracterizado pelo fato de pensar que não tem importância – o Brasil se torna uma potência econômica e política que deve ser levada em conta. Mantendo laços estreitos com os presidentes radicais da América Latina ou defendendo o Irã, o Brasil de Lula não deixou de conservar boas relações com os Estados Unidos ».

Na apresentação do número especial, o artigo de Renaud Lambert é francamente favorável ao balanço do governo Lula. Ele informa que os magos do Banco Mundial predizem que até 2014 a economia brasileira será a quinta do mundo (lugar atualmente ocupado pela França). E lembra que em pleno desastre da crise financeira o Brasil emprestou 14 bilhões de dólares ao FMI.

Depois de citar todos os grandes prêmios internacionais recebidos por Lula, entre eles o « Homem do ano de 2009 », do Le Monde, o prêmio do Programa Alimentar Mundial (da ONU) que proclamou o brasileiro « Campeão mundial da luta contra a fome » e « Estadista mundial de 2010 » em Davos, Lambert informa ao leitor francês que o presidente brasileiro deixa o poder com quase 80% de aprovação. Enquanto isso, Sarkozy, pena em passar dos 30% de aprovação...

Elogios não impedem, contudo, uma análise objetiva. No texto intitulado « Os anos Lula » a revista diz que apesar de ter criado fontes de renda para um grande número de pobres, « o governo Lula não afetou as vinte mil famílias que dirigem o Brasil, que continuam ricas, e nem descontentou o famoso mercado que soube festejar sua conversão ao « realismo ».

Outro especial, o do Le Monde hors série vai mais ou menos na mesma direção mostrando a emergência do gigante que se impõe na cena internacional. A capa é verde e amarela, numa explosão de imagens do país com o título : « Brésil, un géant s’impose » (Brasil, um gigante se impõe).

O editorial fala de « Uma irresistível ascensão » e três entrevistas « explicam » o país aos leitores : uma com o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor em Paris, outra com o ex-embaixador Alain Rouquié, que critica o nepotismo e o clientelismo da política brasileira, e a terceira com o franco-brasileiro Carlos Ghosn, presidente-diretor-geral da Renault-Nissan, nascido em Porto Velho, no Estado de Rondônia, que diz que o país está longe de ter explorado todo seu potencial.

« Como diz um poderoso homem de negócios visivelmente satisfeito : Lula sabe conciliar gregos e troianos ». A frase é citada pelo correspondente do Le Monde Jean-Pierre Langellier no artigo intitulado « Lula, consagração de um homem do povo ». O jornalista constata que o presidente fez uma política otimista e pragmática e deixa o poder mais popular que quando foi eleito, « mesmo que não tenha cumprido todas as promessas ».

Mas nem tudo é louvação. Langellier dedica um outro artigo às tiradas infelizes do presidente, que ele apresenta como um orador de talento mas que derrapa quando compara « a uma rivalidade entre Flamento e Vasco » as manifestações de rua em Teerã contra uma suposta fraude nas eleições de 2009. Fraude que Lula considerou « impossível ».

Finalmente, a última das três revistas que se rendeu ao charme discreto da esquerda brasileira foi Les Inrockuptibles. No número datado de 15 a 21 de setembro, a revista cultural inaugura novo projeto gráfico e nova proposta de mais informação e política. A capa é um Lula sorridente e o título não podia ser mais irritante para a imprensa brasileira que tenta a todo custo ocultar ou anular totalmente o legado de Lula : « Brésil, le pays où la gauche a réussi » (Brasil, o país onde a esquerda deu certo).

No texto em que analisa os anos Lula, Serge Kaganski diz no final : « O chefe de Estado oriundo da esquerda radical soube evitar as duas armadilhas habituais do poder : a dissolução no consenso sem tônus ou a deriva populista-ditatorial. Melhor ainda, ele soube ser eficaz economicamente, socialmente equitável e democraticamente impecável ».

Dedicidamente, o presidente Lula empolga os jornalistas.

Os franceses, claro, esses atrasados patológicos que ainda falam de direita e esquerda.
*Publicado originalmente no site www.observatoriodaimprensa.com.br

Greve e passeatas contra a reforma da previdência

A brasileira Eyleen Marenco, que mora em Lisboa, ia chegar a Paris na quinta-feira, dia 23 de setembro para uns dias de férias. Não contava com a greve geral que perturbou todos os serviços de transportes, fechou escolas e diminuiu o ritmo do país, para que milhões de pessoas fossem às ruas em diversas cidades francesas protestar contra a reforma da previdência, votada sob tensão pelos deputados, na semana passada. Eyleen recebeu um aviso de que seu voo fora cancelado. Chegou a Paris dois dias depois. Como ela, milhares de pessoas tiveram que se organizar para enfrentar a greve geral. Cenas da passeata parisiense aqui

A reforma passa de 60 para 62 anos a idade legal de aposentadoria. Mas quem exerce profissões que exigem esforço repetitivo, quem carrega peso acarretando graves problemas de coluna, quem trabalha em diversas atividades insalubres viverá até 62 anos para desfrutar de uma justa aposentadoria ? Os franceses acham que o governo pode ir buscar dinheiro para financiar as aposentadorias taxando mais o capital e os ricos. Estes receberam um presente de Sarkozy, o famoso « bouclier fiscal » (escudo fiscal), que os protege de pagarem mais que 50% de seus rendimentos em impostos.

Somente um exemplo : a dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt, de 87 anos, ganha por dia (eu disse por dia !) 750 mil euros (quase um milhão de euros) de dividendos de sua fortuna. Ela não poderia pagar um pouco mais de 50% de impostos ? Sarkozy acha que não. Antes da era Sarkozy, os ricos franceses pagavam mais impostos, contribuindo para o que se chama « justiça fiscal », isto é, quem tem mais paga mais. Mas Sarkozy lhes deu de presente o « bouclier » que estabaleceu em 50% o limite da carga de impostos. Graças ao « bouclier fiscal », no ano passado, o fisco devolveu a madame Bettencourt 30 milhões de euros descontados a mais.

Todo mundo sabe que as aposentadorias precisam ser pagas e o rombo da previdência é enorme. Mas quem vai arcar com as consequências mais uma vez são os trabalhadores. É o mundo do liberalismo desenfreado que o presidente francês quer implantar no país sob o slogan de « modernisation ».


No final da passeata da quinta-feira, 23 de setembro, um dos sindicatos organizadores da greve e das « manifs », a CNT (Confederação Nacional do Trabalho) decidiu descer o Boulevard Raspail, saindo de Denfert Rochereau e ir até a sede do Medef (o sindicato dos patrões franceses) protestar contra a reforma, feita sob medida para agradar ao Medef.
A manif tomou o Boulevard du Montparnasse passando em frente da divisão de CRS, esses simpáticos cavalheiros das fotos, a tropa de choque da polícia francesa, que fechara o Boulevard Raspail a partir de Vavin.


Apesar da aparência de guerreiros da idade média, os CRS estão lá apenas para intervir em casos extremos, quando casseurs se infiltram nas passeatas para provocar confrontos e tumultos. Mas quando resolvem intervir, não é com diplomacia, digamos assim. Como na maioria das vezes, os CRS se desmobilizaram logo depois da passagem da passeata e tudo voltou ao normal.

Um americano entrevistado pela televisão em Paris, ao deixar o filho na escola americana, mostrava sua perplexidade com esse povo tão politizado: "Não sei por que hoje tem greve mas os franceses fazem uma greve e uma manif todo mês".


As fotos são de quinta-feira, às 17horas, em frente à estátua de Balzac, de Rodin, no cruzamento do Boulevard Raspail com o Boulevard du Montparnasse, e em frente ao restaurante La Rotonde.


Isabelle Huppert come “bio”

Domingo, como faço regularmente, fui à feira de produtos orgânicos do Boulevard Raspail (marché bio) que comemorou 20 anos no ano passado. Os produtos são mais caros que nas feiras tradicionais mas são « bio », isto é, foram cultivados sem agrotóxicos. Essa feira « bio » é um charme total, cheia de novidades e produtos mais saudáveis. Tem até vinho « bio ».

Neste domingo, quem estava a meu lado, fazendo suas compras como uma francesa comum era Isabelle Huppert. De jeans, trench coat, óculos escuros, a atriz que é baixa e magrinha, passa por « madame tout le monde ». Ninguém a reconhece.

Na última entrevista que vi de Claude Chabrol na televisão, o cineasta falecido este mês comentou sua admiração por Isabelle Huppert que fez com ele alguns grandes filmes (entre eles « Madame Bovary »). Em um momento, ele virou para a câmera e disse : « Isabelle, você está muito magrinha, precisa engordar uns quilinhos ».

Descobri o segredo de Isabelle Huppert. Ela come « bio ».

sábado, 18 de setembro de 2010

Le Monde espionado pelo Palácio do Eliseu*


O presidente Sarkozy entrou no turbilhão de um Sarkozygate?

Desde segunda-feira, 13 de setembro, quando o jornal Le Monde publicou uma matéria de capa assinada por Sylvie Kauffmann, diretora da redação, sob o título « Affaire Woerth : o Eliseu violou a lei sobre o segredo das fontes jornalísticas » o “Affaire Bettencourt” que se tornou “Affaire Bettencourt-Woerth” pode se transformar em “Affaire Bettencourt-Woerth-Sarkozy” por conta das novas revelações do jornal. Ou, simplesmente, « Sarkozygate », como já o chamam alguns politicos da oposição.

«O Eliseu utilizou o serviço de contra-espionagem para identificar uma fonte do Monde ». Sem meias palavras, o « jornal de referência » da França acusa o Palácio do Eliseu de « ter empregado métodos que infringem a lei de proteção das fontes jornalísticas » quando ordenou aos serviços secretos (Direction Centrale du Renseignement Intérieur – DCRI) uma investigação dos telefonemas dados e recebidos por pessoas que, em julho, haviam tomado conhecimento do depoimento de Patrice de Maistre, administrador da fortuna da dona da L’Oréal, Madame Liliane Bettencourt. O depoimento, que colocava o atual ministro do Trabalho, Eric Woerth, em situação difícil, foi comentado no dia seguinte pelo Le Monde em matéria exclusive, assinada pelo jornalista Gérard Davet. A versão de Patrice de Maistre desmentia a de Woerth sobre o emprego de sua mulher, Florence Woerth, pela empresa que administra os bens da proprietária da L’Oréal.

Daí à caça a possíveis responsáveis pelo « vazamento » foi um pulo. Os serviços de espionagem tiveram acesso às ligações telefônicas dos « suspeitos » e revelaram que um magistrado, David Sénat, assessor especial da ministra da Justiça, Michèle Alliot-Marie, teve contato com o jornalista que assinou a matéria. Grande coincidência : o magistrado foi transferido no mês de agosto para Caiena, capital da Guiana Francesa. Punição ? De modo algum, nega o porta-voz do ministério da Justiça. O magistrado queria voltar a trabalhar « sur le terrain », deixando os gabinetes da burocracia administrativa. Foi mandado para a Guiana para implantar um tribunal. Por acaso, mas isso é apenas uma coincidência, era lá que, no passado, os antigos prisioneiros faziam serviços forçados.

O Le Monde informou que instruiu seus advogados a ajuizar uma ação na qual o réu é desconhecido, que no direito francês corresponde a « déposer une plainte contre X ».

No « affaire Bettencourt-Woerth » há suspeitas de financiamento ilegal da campanha de Sarkozy para presidente, uma Legião de Honra concedida ao administrador da fortuna da proprietária da L’Oréal (recomendada por Woerth), um cargo importante na empresa que administra essa fortuna dado à esposa do ministro (em troca da Legion d’Honneur ?), evasão fiscal de muitos milhões de euros na Suiça da fortuna de Liliane Bettencourt, entre outros escândalos.

Até hoje, o presidente e seus ministros tentaram formar um cordão de proteção a Eric Woerth negando todas as acusações e garantindo o apoio incondicional ao ministro. Jornalistas americanos e ingleses entrevistados pela televisão foram categóricos desde o princípio do caso: tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, Woerth não seria mais ministro há muito tempo.

O editorial de primeira página da segunda-feira (jornal datado de 14 de setembro) se intitula « Le Monde, l’Elysée et la liberté d’informer ». O texto lembra que foi sob o governo Sarkozy que o segredo das fontes jornalísticas foi reforçado por uma lei que diz : « O segredo das fontes dos jornalistas fica protegido no exercício de sua missão de informação do público ».

No texto assinado por Sylvie Kauffmann, o jornal lembra que a lei diz expressamente que « é considerado como um atentado indireto ao segredo das fontes o fato de tentar descobrir as fontes de um jornalista através de investigações dirigidas a qualquer pessoa que, por suas relações habituais com um jornalista, pode deter informações permitindo identificar as fontes ». Kauffmann lembra, ainda, que um jornalista pode manter o silêncio sobre suas fontes mesmo interrogado no contexto de uma investigação judiciária.

O « Affaire Bettencourt » começou com uma denúncia da filha da milionária de que o fotógrafo François-Marie Banier abusava da fragilidade psicológica de Liliane Bettencourt. Segundo a filha de Madame Bettencourt, sua mãe já havia doado ao amigo gay _ que ela chegou a pensar em adotar como filho _ o equivalente a um bilhão de euros. Em pouco tempo, as investigações em torno das doações da milionária apontavam para financiamento ilegal da campanha de Nicolas Sarkozy, via Eric Woerth, que de tesoureiro do partido do presidente (UMP) se transformou em ministro do Planejamento e atualmente, do Trabalho.
O Sarkozygate está apenas começando.

*Artigo de Leneide Duarte-Plon publicado originalmente no Observatório da Imprensa em 15-09-10


Seu Deca e Zé Perri

O autor do « Pequeno Príncipe », Antoine de Saint-Exupéry foi, na década de 30, um dos pioneiros da Aéropostale, empresa francesa que ligava a Europa ao continente Sul-americano, desde Natal até o sul da Argentina.

O correspondente do Le Monde no Brasil, Jean-Pierre Langellier conta em um delicioso artigo que um dos pescadores da ilha de Florianópolis ficou amigo de Saint-Exupéry. Cada vez que Saint-Exupéry ia desembarcar em Florianópolis, seu Deca era avisado pelo rádio que seu amigo « Zeperri » estava chegando. A amizade dos dois homens foi contada pelo filho de seu Deca, Getúlio, que vive em Florianópolis, no livro intitulado «Deca e Zé Perri ».

Zé Perri, com o « pseudônimo » de Antoine de Saint-Exupéry, escreveu alguns anos depois de suas viagens na Aéropostale o genial Le petit prince, um conto poético e filosófico sob a aparência de um conto para crianças. Ilustrado pelo próprio autor, O pequeno príncipe foi publicado em Nova York em 1943 e somente depois ganhou uma edição francesa.

O maior fenômeno editorial de língua francesa foi traduzido em 104 línguas e já vendeu mais de 80 milhões de exemplares. A obra inspirou um musical, uma ópera, além de fazer parte do programa escolar de inúmeros países e ser o livro de cabeceira de nossas misses. No Japão, existe até um museu do Pequeno Príncipe.


Murakami invade Versalhes

Nunca tinha ouvido falar em Murakami até o dia em que o artista japonês « invadiu » o Palácio de Versalhes com suas obras de arte inspiradas na estética dos mangas japoneses. Pessoalmente, acho o que ele faz excelente para colecionadores de objetos « kitsch ». Mas o diretor de Versalhes, ex-ministro da Cultura, Jean-Jacques Aillagon, deve gostar.

Este mês, formou-se em Paris e em Versailles dois partidos : o dos defensores e o dos detratores de Murakami. Há quem considere que a arte de Damien Hirst, Jeff Koons, Murakami e outros que encantam os milionários seja uma heresia quando colocada lado a lado com as maravilhas clássicas do palácio do Rei-Sol. Outros, como Aillagon, apreciam a polêmica que atrai mais visitantes para um dos monumentos franceses mais visitados por turistas do mundo inteiro.

Murakami e seus horríveis bonecos de plástico colorido podem ser apreciados (ou execrados) no Palácio de Versalhes até o dia 12 de dezembro.

Um Nobel da Paz para Netanyahu?

Deu no L’Humanité:

O jornal The New York Times identificou 40 grupos americanos que coletaram 200 milhões de dólares de doações dedutíveis de imposto para as implantações judaicas na Cisjordânia em Jerusalém-Leste, que como todos sabem fazem parte do futuro (e cada vez mais improvável) Estado Palestino, conforme previsto na partilha da ONU de 1948.

Em princípio, o dinheiro é destinado a escolas, sinagogas e centros de lazer. Mas ele financia também casas e apartamentos, cães de guarda, coletes à prova de bala e veículos para a segurança das regiões ocupadas, entre outras coisas.
Enquanto Netanyahu negocia de um lado com o presidente da Autoridade Palestina, os judeus americanos financiam de outro a continuação da colonização em terras palestinas.

Depois do Prêmio Nobel da Paz atribuído em 1994 a Shimon Peres, Arafat e Isaac Rabin e do Nobel da Paz atribuído a Barack Obama no ano passado, um Nobel para Netanyahu ?

Tudo é possível neste “mad, mad, mad world”.


Dengue na Côte d’Azur

A Côte d’Azur está em polvorosa.

Os médicos franceses descobriram a dengue no Sul da França. A notícia ocupou uma página inteira pelo Le Monde : « A dengue coloca o sul da França em alerta sanitária ». O primeiro caso de dengue « autóctone », contraída por alguém em território francês, foi anunciado dia 13 de setembro em Nice. Imediatamente o Sul da França entrou em vigilância sanitária para o combate ao mosquito tigre chamado pelos cientistas de « aedes albopictus ».

Em Paris, o Institut Pasteur é o centro nacional de referência para a doença que começa a se aproximar lentamente da rica Europa.

A mundialização inclui agora a dengue, graças aos mosquitos que vêm fazer turismo em solo europeu.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Mate sua mulher por um euro


Em frente a um dos cafés mais conhecidos e frequentados de Aix-en-Provence, o Les deux garçons, um senhor se instalou no mês de agosto, auge do verão europeu. Ficava sentado num banco pedindo dinheiro aos numerosos passantes. Num pequeno cartaz, o humorista não-profissional dizia : « Por um euro mato sua mulher ou seu patrão ». Outro cartaz, ao lado do prato de metal para as moedas informava : « Para minha casa de praia em Saint-Tropez ».

Pela piada e pelo desejo de trazer um pouco de alegria ao movimentado verão de Aix ele já mereceria uma moeda.

Parlamento europeu também critica xenofobia francesa


Fotos de Leneide Duarte-Plon
Num ensolarado sábado, dia 4 de setembro, os parisienses foram às ruas para dizer «não» à política racista e xenofóbica do governo Sarkozy. Os manifestantes se reuniram na Place de la République para uma passeata - manif no francês coloquial, abreviatura de manifestation - que reuniu milhares de pessoas para protestar contra o agravamento do racismo como política de Estado.

Crianças, jovens e adultos de todas as idades, de todas as etnias e origens caminharam com cartazes contra o racismo e a xenofobia. As fotos que fiz falam do clima da manifestação. Uma das participantes citava o artigo primeiro da Constituição francesa que diz : « La France assure l’égalité devant la loi de tous les citoyens sans distinction d’origine ».

A França, conhecida como o país dos direitos humanos, está colecionando críticas : a Igreja católica criticou, a ONU criticou e na quinta-feira passada o Parlamento europeu votou uma resolução pedindo ao governo francês para suspender as expulsões de Roms. Essa interferência do Parlamento europeu é uma situação rara em se tratando de um país europeu. A resolução foi adotada por 337 parlamentares reunidos em Estrasburgo, a cidade francesa que é a sede do Parlamento europeu. 245 deputados foram contra a resolução e 51 se abstiveram.


A primeira tragédia de 11 de setembro foi um crime americano

Os 37 anos do golpe contra Salvador Allende _ o primeiro 11 de setembro sangrento da história recente _ foram lembrados na França com a inteligência que a data merece. O canal franco-alemão ARTE programou o filme “Allende” do cineasta chileno Patricio Guzmán. Revi o excelente documentário que conta como o golpe foi preparado desde antes da posse de Allende. O ex-embaixador americano no Chile, entrevistado por Guzmán, conta que Nixon ficou histérico com a vitória de Allende e só se referia a ele como aquele « SOB » (son of a bitch).

Imediatamente, Nixon e Kissinger acionaram a CIA para derrubar Salvador Allende. Todo mundo conhece a história. Mas é muito emocionante conhecer os detalhes da ascensão do médico socialista que tinha a convicção de que podia implantar o socialismo no Chile pelas vias democráticas. Apesar de toda a pressão para armar o povo e defender-se de um eventual golpe que se preparava, Allende foi até o fim fiel ao seu ideal democrático. Por não ter querido criar um exército paralelo não pôde evitar o banho de sangue de Pinochet naquele 11 de setembro de 1973, do qual foi uma das primeiras vítimas.

Neruda morreu alguns dias depois do golpe. Um belo livro chamado Vou viver – Tributo a Pablo Neruda, foi co-editado no Brasil em 2004, pela Textual e pela Prefeitura do Rio de Janeiro, com fotos de Evandro Teixeira e texto de Fritz Utzeri. Evandro Teixeira, que estava no Chile para cobrir o golpe, foi o único fotógrafo do mundo a fazer fotos do poeta morto.
Foto de Evandro Teixeira


Chile em transe ***
Entrevista com Patricio Guzmán
Leneide Duarte-Plon, de Paris
*** Íntegra da entrevista publicada na Folha de São Paulo dia 06-09-10

O chileno Patricio Guzmán é um dos mais importantes documentaristas do mundo. A revista americana Cinéaste qualificou seu filme “A batalha do Chile” como “um dos dez filmes políticos mais importantes do mundo”. “O caso Pinochet” e “Allende” foram premiados em diversos festivais internacionais.

Guzmán sempre foi fascinado pela astronomia e pela história. Seu novo filme “Nostalgia da luz”, apresentado oficialmente no festival de Cannes deste ano, trata de observação das estrelas e galáxias a partir do deserto de Atacama, no Chile. Mas os astrônomos e seus fabulosos telescópios são uma metáfora para falar do Chile e de seu passado traumático.

Como as mães e avós da Praça de Mayo em Buenos Aires, algumas mulheres chilenas teimam e perseveram contra todas as dificuldades do tempo que passa e do absurdo da procura. Elas buscam os ossos dos maridos, noivos ou irmãos desaparecidos durante a ditadura militar que derrubou Allende. O deserto de Atacama no Chile é a imensidão onde elas catam com pequenas pás os menores vestígios de ossos, que se encontram completamente dispersos.

Enquanto isso, astrônomos chilenos e de várias nacionalidades buscam na poeira das estrelas vestígios de um passado que pode vir a esclarecer o Big Bang e a origem da vida. Um astrônomo explica que o cálcio que se encontra em qualquer estrela do universo é o mesmo dos nossos ossos. “Somos feitos da mesma matéria das estrelas”.
Quando observam as estrelas, os astrônomos olham para o passado pois a luz das estrelas vem de um passado longínquo. Um deles explica que o presente não existe, só existe o passado. O tempo é, na realidade, passado.

No mesmo deserto de Atacama, arqueólogos estudam vestígios de civilizações pré-colombianas e descobrem corpos mumificados pelo clima seco, propício à preservação dos cadáveres. E ajudam a elucidar o mistério dos desaparecidos. Os ossos encontrados formam um arquivo de caixas, à espera de identificação.

A metáfora da busca de vestígios do passado é o fio que liga arqueólogos, astrônomos e seus modernos telescópios, às mulheres chilenas, que buscam no mesmo lugar seco e árido o menor osso que possa ter pertencido a um irmão ou marido.

O jornal Le Monde qualificou “Nostalgia da luz” de "um filme extraordinário". O crítico do L'Humanité escreveu que o filme é "de uma beleza de tirar o fôlego". A revista Première chamou-o de "uma fábula Kubrickiana".

O filme vai passar no Festival do Rio (de 4 a 9 de outubro) numa retrospectiva dos filmes do Guzmán. Dia 27 de outubro, Nostalgia da luz será lançado em Paris.

LDP: No seu novo filme “Nostalgia da luz” a astronomia é um pretexto para falar do real, dessas mulheres que procuram os ossos de seus desaparecidos durante a ditadura de Pinochet. Uma das mulheres diz: “Somos a lepra do Chile”. Por que elas se veem assim?

Patricio Guzmán : Porque esse grupo de mulheres era no início cerca de 40 e hoje são apenas dez depois do desaparecimento da maior parte ou da dispersão. Muitas se mudaram, foram morar longe do deserto onde procuram os ossos. Mas há também o cansaço trazido pela idade. As sobreviventes do grupo pensam que o Chile esqueceu completamente da tragédia, que a amnésia venceu, elas se sentem diferentes. Por isso, uma delas diz que elas são a lepra do Chile, a pior doença porque quando se fala do assunto, as pessoas se vão. O esquecimento venceu e esse grupo de mulheres é o único que denuncia um Chile que as outras pessoas querem esquecer.

LDP: Essas mulheres são mais “loucas” que as chamadas “loucas da Plaza de Mayo”, as mães e avós argentinas de Buenos Aires? Elas se entregam há anos a uma procura de algo inatingível, a luta delas é mais difícil do que a das mães da Plaza de Mayo?

Patricio Guzmán : Claro, porque a luta das mães da Plaza de Mayo foi apoiada pelo governo, foi reconhecida. Os torturadores foram presos, os três generais da junta militar também. Houve uma resposta, alguns netos apareceram. Existe a satisfação de ver os resultados dessa luta. No Chile, 40% dos torturadores e dos responsáveis militares de violação dos direitos humanos foram julgados. Mas falta julgar 60%, isso é muito. Por causa desses 60% que estão na sombra, as pessoas não se sentem apoiadas na luta nem pelos parlamentares nem pelos prefeitos. Nos primeiros anos, eram os prefeitos que vinham vê-las, recebiam-nas na prefeitura. Hoje as pessoas que procuram justiça ou vestígios dos desaparecidos estão totalmente sós. Mas, apesar disso, uma mulher diz no filme: “Eu vou procurar meu noivo durante toda minha vida”. Ela é muito forte, é uma mulher de grande determinação.

LDP: Seu filme se passa no deserto de Atacama e mostra arqueólogos, astrônomos e mulheres que procuram seus maridos e irmãos desaparecidos durante a ditadura de Pinochet. Como você encontrou a chave pra reunir esses dois pólos, essas duas metáforas, o deserto e a via láctea?

Patricio Guzmán : Foi difícil pois quando se escreve um roteiro de documentário, começamos por pequenas peças isoladas, por pedaços. O início é que sempre tive a intenção de fazer um filme sobre o Norte do Chile, mas sem uma idéia concreta. Pensava que era um bom lugar por causa das minas, dos observatórios, das múmias, por causa dos desaparecidos da ditadura. Era o território em si mesmo.

LDP: Sempre se soube que havia ossos de desaparecidos no deserto ?

Patricio Guzmán : Sim, pois o primeiro ato de terrorismo organizado por Pinochet depois do golpe de Estado para terrorizar o próprio Exército foi a chamada « Caravana da Morte. Dois meses depois do golpe, um comando parte de Santiago em helicóptero em direção ao Norte do Chile. O helicóptero desce em pequenas cidades e os militares matam todos os prisioneiros durante uma semana. No total, 80 pessoas foram mortas assim. Foi um choque horrível não somente para os civis mas também para os militares que compreenderam que Pinochet havia dado um golpe de Estado violento e que era preciso obedecer cegamente. Havia no Exército militares que não eram golpistas, sobretudo nas províncias. Essa caravana da morte foi terrível para os civis mas também para os militares, sobretudo no Norte.

LDP: E os mortos eram enterrados no deserto ?

Patricio Guzmán : Exatamente, em torno das cidades. Os militares faziam enterros secretos, à noite. As mulheres começam a ouvir histórias, há pessoas que começam a falar anonimamente. Dizem que viram um lugar onde havia movimento de enterro de pessoas. As mulheres então começam a ter esperança de encontrar os desaparecidos. E quando as escavações que elas começam a fazer se aproxima do lugar em que estavam os corpos, Pinochet ordenou que desenterrassem os cadáveres e os enterrassem em outro local. Isso foi feito. São duas vezes desaparecidos. A metade dos cadáveres foi lançada no mar, a outra foi enterrada em outro local. Durante a ditadura, entre as pessoas que eram lançadas no mar em outras ocasiões, havia os que estavam vivos. Eram presos que os militares levavam em helicópteros, amarrados com fios de ferro e pedaços de concreto nos pés. Antes de serem jogados no mar, recebiam uma infeção de Penthotal. Há um preso que conseguiu cortar o fio que amarrava seu corpo e o cadáver veio dar na praia. Todo mundo começou a investigar para saber de onde vinha o corpo. Os arqueólogos descobriram num perímetro em torno das prisões do Norte do Chile vestígios de concreto. Descobriram que o concreto era fabricado lá mesmo para amarrar nos corpos dos prisioneiros. Graças a esses arqueólogos a gente conseguiu reunir toda a história. Mas, vários responsáveis da Caravana da morte continuam em liberdade. Um piloto de helicóptero que participou dessa operação foi o único a falar até hoje.

LDP: O Chile deu uma anistia geral para todos os militares ?

Patricio Guzmán : Sim, mas essa anistia foi parcialmente invalidade porque um juiz espanhol descobriu que um crime contra a humanidade é imprescritível. Deve-se isso a três pessoas: o juiz Baltasar Garzón, o fiscal Carlos Castresana e o advogado Joan Garcés. Foi Carlos Castresana quem descobriu no direito espanhol quatro linhas que dizem que a Justiça espanhola pode processar um ditador responsável por crimes contra a humanidade.
Joan Garcés é um espanhol de origem valenciana que estudou Ciências Políticas em Paris em plena época de ascensão da guerrilha, quando o Che Guevara estava ainda vivo. Garcés descobriu que era possível fazer revolução sem guerra civil. Era sua tese. Quando Allende ganhou a eleição, ele pensou que tinha de ir para o Chile. Transformou-se no braço direito de Allende e era quem escrevia seus discursos.

LDP: Depois do golpe, ele foi preso ?

Patricio Guzmán : Não, ele esteve no palácio presidencial até o fim com Allende. O presidente pediu a seus colaboradores para partirem, alguns quiseram ficar com ele. Então ele disse a Joan Garcés para ir embora: “Você é o único que pode contar esta história. Você deve partir”. Garcés vai embroa como um cidadão comum. Fala espanhol com sotaque e diz ser um espanhol de passagem, vai passando todas as barreiras militares e chega em casa. Em seguida vai para a Embaixada da Espanha onde o embaixador o acolhe mesmo sendo um franquista porque Joan Garcés era um professor universitário conhecido. Alguns anos mais tarde, esse homem consegue levar Pinochet à prisão. É um verdadeiro romance.

LDP: É um romance. Você contou isso ?

Patricio Guzmán : Sim, um pouco no meu filme « O caso Pinochet ». Mas eu privilegiei os casos de mulheres torturadas. Seria outro filme que deveria ser feito.

LDP: Os vestígios de Pinochet resistem pela ausência de memória para combater o silêncio sobre o passado recente e pelas leis (a Constituição em vigor foi escrita sob Pinochet). Por que o Chile se recusa a encarar seu passado ?

Patricio Guzmán : Isso é um mistério. Eu me pergunto a mesma coisa e muitas pessoas no Chile e no estrangeiro se perguntam isso. O golpe foi um choque tão grande qua produziu uma paralisia mental. No Chile as pessoas têm medo.

LDP : Até hoje ?

Patricio Guzmán : Até hoje. Há pessoas que não conversam nos ônibus ou num lugar público. São incapazes de falar de política num local público. Há uma espécie de reserva, um medo de ser ouvido. Os arquivos da polícia estão intactos, como na Espanha franquista. Fui fichado na Espanha depois do golpe de Estado chileno. E minha ficha deve continuar por lá. Entrei na Espanha com um passaporte mas era um exilado. Organizei várias sessões de filmes contra Pinochet que eu tinha levado do Chile. Em Cuba, também havia muitos curta-metragens sobre a Unidade Popular de Allende, a reforma agrária, a situação dos mineiros chilenos etc. Em Madri, organizei muitas sessões de filmes sobre o Chile na universidade. Todos os chilenos que estavam na Espanha naquela época foram fichados pela polícia franquista.

LDP: Por que você preferiu o cinema e a política à astronomia?

Patricio Guzmán : Quando a gente viveu acontecimentos tão fortes é difícil escapar deles.

LDP: Quem são seus cineastas preferidos ?

Patricio Guzmán : São documentaristas : Nicolas Philibert, Laurent Chevalier, Claire Simon. Gosto de alguns cineastas de ficção mas vejo sobretudo filmes documentários e descubro novos cineastas. Em ficção gosto de Kiarostami e de Clint Eastwood. Para mim, Fellini é o melhor cineasta de todos os tempos e gosto muito de Pasolini que fez um cinema muito próximo do documentário. Gosto muito do neo-realismo italiano, da nouvelle vague. Mas nos dez últimos anos não vi muito filme de ficção por causa também de minhas ocupações como presidente do Festival Internacional de Documentário de Santiago (FIDOCS).

LDP: Você acha que o acidente com os mineiros no Chile poderia ter sido evitado ?

Patricio Guzmán : O acidente é uma manifestação típica do Chile. O sistema de segurança está fora das normas. Os condutores de ventilação não têm escadas como deveriam ter. A companhia mineradora não fez o necessário para garantir a segurança dos mineiros. O governo de Bachelet permitiu a reabertura da mina mesmo a companhia não tendo cumprido as normas de segurança. Isso é típico do Chile mas é também o que vemos na China e na Rússia, onde acidentes horríveis ocorrem frequentemente .

LDP: O governo atual está fazendo uso político do acidente?

Patricio Guzmán : Acho que ele esta fazendo o possível para salvar os mineiros mas o diagnóstico é otimista demais. O espeleólogo francês Michel Siffre, um dos mais experientes do mundo, que passou vários meses em situações parecidas para estudar as grutas afirmou que nenhum desses mineiros sairá totalmente sem marcas, psicológicas e fisicas. Isso na melhor das hipóteses.
Quanto ao sistema de salvamento, ele é totalmente inédito e ninguém pode garantir que dará certo.


FOTOJORNALISMO
Realidade e criação na era do Photoshop

Por Leneide Duarte-Plon em 7/9/2010 no Observatório da Imprensa

Os fotojornalistas de antes da era Photoshop viviam à espreita do "instante preciso" para dar o click que criaria a foto genial. Mesmo assim, havia os que eram acusados por colegas de manipular as fotos "dirigindo" os personagens, colocando-os em situações mais estéticas ou mais "jornalísticas". De qualquer forma, a foto espelhava a realidade, dirigida ou flagrada no "instante preciso" de que falava Henri Cartier-Bresson. O Photoshop tornou-se um aliado da profissão e um risco para o fotojornalismo.
Este ano, o fotógrafo Stepan Rudik foi desclassificado da categoria "Esporte" do prêmio World Press pois abusou do Photoshop. Tirou um pé de uma de suas fotos e reenquadrou-a, depois de transformá-la em preto e branco, entre outras manipulações, para fazê-la parecer uma foto feita em película.
Segundo um responsável do World Press, em vez de mostrar a realidade, os jovens fotojornalistas resolvem "aperfeiçoá-la". Resultado: de 100 mil fotos examinadas pelo juri do prêmio, 20% são eliminadas por terem sido "photoshopadas" em excesso.
Campos de refugiados coloridos
Pode-se falar de objetividade da imagem fotográfica? Para o fotógrafo italiano Francesco Zizola, ela nunca existiu. Nem mesmo antes do programa Photoshop, que permite aos fotógrafos manipular ou apenas retocar uma imagem infinitamente. Esse debate em torno da objetividade no fotojornalismo promete ocupar grande parte do Festival Visa pour l’image, que se realizou na cidade francesa de Perpignan de 28 de agosto a 12 de setembro. O fotógrafo Guillaume Herbaut diz que seus jovens estagiários, que sabem utilizar perfeitamente o Photoshop, não fazem distinção entre a foto artística e a foto documental ou jornalística.
O fotógrafo Philip Blenkinsop, da agência Noor, fica indignado quando vê fotos com cores luminosas em campos de refugiados. Ele explica ao jornal Le Monde que nesses lugares tudo é cinzento, não há cor e quando as revistas mostram essas fotos com tons fortes, os refugiados devem se sentir insultados pois é como se os fotógrafos dissessem que a vida miserável deles não é interessante, que a realidade precisa ser retocada.

domingo, 5 de setembro de 2010

Carla Bruni-Sarkozy e Jesus : mesmo combate

Libération publica há vários dias cartas dirigidas a Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana acusada de adultério e condenada à morte por lapidação. Isabelle Adjani, Jeanne Birkin, Bertrand Delanoë (o prefeito de Paris), os ex-presidentes Chirac e Giscard d’Estaing, entre outros, escreveram à iraniana. Carla Bruni-Sarkozy escreveu : « O que pode lhe acontecer ferirá profundamente todas as mulheres, todas as crianças, todas as pessoas dotadas de sentimentos humanitários »… « Do fundo de sua cela, saiba que meu marido defenderá sua causa e a França não a abandonará ».

O jornal iraniano « Kayhan », considerado porta voz do islamismo radical, criticou a primeira-dama francesa e chamou-a de « prostituta ». Para desfazer o mal-estar diplomático, o ministério das Relações Exteriores do Irã divulgou um comunicado condenando o palavreado obscurantista do jornal. Mas a sentença permanece.

Vale lembrar que a morte por lapidação aos acusados de adultério foi instituída por Moisés e era ainda praticada pelos judeus no tempo de Jesus. A lei de Moisés que determina a pena de morte para o homem e para a mulher adúlteros está no livro de Levítico, no Antigo Testamento.

Um dos momentos cruciais da pregação de Jesus pode ser lido no Evangelho de João. Os fariseus trazem a Jesus uma mulher acusada de adultério, com a intenção de colocá-lo à prova. Se ele a absolver, pode ser acusado de não cumprir a lei de Moisés. Jesus dá sua sentença : « Quem dentre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra ». Eles se retiram um a um e Jesus se dirige à mulher dizendo : « Onde estão os teus acusadores ? Ninguém te condenou ? Eu também não te condeno. Vai e não peques mais ».
Não sei quando o povo judeu deixou de cumprir essa determinação bárbara da lei mosaica. O jovem profeta de Nazaré deve ter uma parte de responsabilidade nisso.


« Reconduzidos » à fronteira

Rom, tzigane, romanichel, gitan, bohémien. A língua francesa é rica em vocábulos para designar os ciganos, oriundos da Europa do Leste, sobretudo da Romênia e Bulgária. Além de todas essas palavras, o francês ainda tem a expressão gens du voyage para designar esse povo nômade que chega com suas casas sobre rodas e estaciona em áreas previamente demarcadas pelas municipalidades.

Acontece que o governo Sarkozy resolveu eleger os ciganos como bode expiatório ideal, como os nazistas designaram o judeu em outros tempos. O cigano é hoje para a França o que judeus e os próprios ciganos foram para a Alemanha nazista, que matou milhares de nômades, considerados sub-raça, em campos de concentração.

As novas leis repressivas já permitiram a « recondução à fronteira » de centenas de ciganos. Esse delicado eufemismo da comunicação oficial substitui o antipático « expulsão ». « Reconduzidos » a seus países de origem, os ciganos pretendem voltar assim que puderem pois na Bulgária e na Romênia são tão discriminados e perseguidos quanto na França ou na Itália. E quando os dois países assinarem os derradeiros acordos com a União Européia, eles terão os mesmos direitos de livre circulação que um inglês ou um belga.

A ONU, a União Européia, a igreja católica, inclusive Bento XVI, criticaram em uníssono o desvio securitário do governo, que resolveu lançar a caça aos ciganos no momento em que o caso Bettencourt-Woerth ameaçava respingar no presidente.

Indignado, o padre Arthur Hervet, de 71 anos, que trabalha na assistência aos « roms » na cidade de Lille, não se conteve e declarou a um jornal : « Rezo para que Nicolas Sarkozy tenha uma crise cardíaca ». Depois, caiu em si e se retratou pedindo desculpas pelo excesso de sua indignação. Em uma das entrevistas que deu, o padre Arthur revelou : votou em Sarkozy em 2007.

Ninguém é perfeito.

Kouchner discorda … mas não larga o cargo

Todo mundo sabe que os responsáveis pela política externa da França são o secretário-geral do Eliseu, Claude Guéant, o chefe do setor diplomático do Eliseu Jean-David Levitte e o próprio presidente. O ministro Bernard Kouchner, ex-socialista que trocou de camisa e virou ministro de Sarkozy, manda muito pouco. Esta semana ele declarou que quase pediu demissão por discordar da política do governo em relação aos ciganos. Mas o fato é que não pediu demissão e continua no Quai d’Orsay onde brilha pela opacidade.

Com um bom cálculo político manteve o (excelente) salário de ministro, as honras e o brilho do cargo e garante, ao mesmo tempo, a permanência de sua mulher, a jornalista Christine Ockrent, vice-presidente do canal internacional da TV pública France 24, chamado oficialmente Audiovisuel Extérieur de la France (AEF).

Pedófilos no ar

Todo adulto sentado num avião ao lado de uma criança é um pedófilo potencial. Essa é a convicção da Air France.

Há poucos dias a companhia reforçou a norma que proíbe a um adulto de viajar no mesmo bloco de poltronas ao lado de uma criança desacompanhada, de menos de 12 anos.
O sindicato da companhia protestou alegando que em caso de despressurização que necessite o uso da máscara ou outra emergência que necessite do colete salva-vidas ninguém poderá socorrer a criança sentada sem nenhum adulto.

Um passageiro da Bitish Airways, que aplica a mesma norma da Air France, processou recentemente a companhia inglesa por discriminação e ganhou o processo. Ele havia sido proibido de sentar-se perto de uma criança não- acompanhada.