segunda-feira, 13 de junho de 2011

Sartre X Lanzmann

Há gigantes e anões. Sartre era um gigante. Claude Lanzmann…

Ambos viveram com Simone de Beauvoir. Sartre foi para Beauvoir o que os dois filósofos definiram como « amour nécessaire ». Lanzmann foi um « amour contingent », amores passageiros, paralelos ao « necessário », que tanto Beauvoir quanto Sartre teorizaram e praticaram durante toda a vida.

Entrevistei Lanzmann para a Folha de São Paulo este ano. Ele vai participar da Flip e diz em sua biografia (Lebre da Patagônia, publicado no Brasil pela Companhia das Letras) que considera Sartre « le plus grand écrivain français ». Ele conta que quando foram a Israel, Sartre lhe disse que não queria nenhum encontro com « gente de uniforme ». « Nem mesmo do sexo feminino », recomendou o filósofo a Lanzmann, « propagandista quase oficial do Exército israelense », como ele mesmo se define (p. 313 da edição francesa) no seu livro.

Entre 1970 e 1974, Sartre deu entrevistas a John Gerassi. O livro acaba de sair e se chama Les entretiens de Sartre avec John Gerassi (Edições Grasset). De Claude Lanzmann, Sartre diz no livro : « Ele é um bom burguês que faz a apologia de Israel sem ver o que se passa com os pobres palestinos, expulsos de suas casas, sem indenização, seus filhos expulsos das escolas por estrangeiros armados até os dentes. Lanzmann vê os israelenses como vítimas do Holocausto. E para ele quem quer que critique a política israelense é antissemita ».

Até hoje Lanzmann faz parte do grupo de intelectuais judeus franceses que perseguem todos os que, como Eyal Sivan, ousam denunciar a colonização e o apartheid imposto aos árabes israelenses. Sivan é um cineasta judeu israelense, que morou na França e recebeu o prêmio de Roma, do Ministério da Cultura, em 1990. Foi professor na Sorbonne e fez Route 181, com o cineasta palestino Michel Khleifi, um documentário sobre Israel-Palestina. Entrevistei Sivan para o Jornal do Brasil quando seu filme foi lançado na França.

Sivan é um antissionista militante que denuncia a utilização política da memória do genocídio judaico durante a Segunda Guerra e prega a desobediência civil. Ele é um dos participantes da campanha de boicote a produtos israelenses vindos das colônias, chamada Boycott, désinvestissement et sanctions, que tem o apoio do bispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz, do embaixador Stéphane Hessel, autor do livro « Indignez-vous », dos escritores Tarik Ali, Eduardo Galeano, Arundhati Roy, dos cineastas Jean-Luc Godard e Ken Loach, entre muitos outros.

Por suas posições antissionistas Eyal Sivan sofreu ameaças de morte em Paris e deixou a França. Ele é colaborador assíduo da revista De l’autre côté, editada pela Union Juive Française pour la Paix.

Un bateau français pour GAZA

Dia 18 de junho um barco francês se juntará a outros na direção de Gaza. Un bateau français pour Gaza (www.unbateaupourgaza.fr) é uma iniciativa de 60 associações, sindicatos e partidos políticos, com o apoio de alguns políticos.

Na França, a defesa da criação do Estado Palestino é uma causa que reúne inúmeras associações, entre elas a Union Juive Française pour la Paix que milita por uma paz justa no Oriente Médio « sem ocupação, nem colônias, nem estradas de contorno, nem muros, nem barreiras militares (check points) nem mil e uma humilhações impostas aos palestinos e a quem quer visitar a Cisjordância e Gaza. Somente com uma paz justa poderemos romper a espiral da violência e do terror do terrorismo de Estado israelense ou do terrorismo dos grupos armados palestinos. O direito internacional e as resoluções da ONU devem se impor. A paz não é o apartheid à israelense. Saber viver é saber viver juntos”.

Democracia relativa - Estado étnico

O respeitado historiador israelense Ilan Pappé, professor de História e Diretor do Centro Europeu para Estudos Palestinos da Universidade de Exeter e autor de livros formidáveis, entre eles « Le nettoyage ethnique de la Palestine » (A limpeza étnica da Palestina) escreveu sobre a revolução egípcia no artigo Revolução no Egito é ruim para Israel : Israel é um lugar onde todos os generais que ordenaram o massacre de manifestantes palestinos e judeus contra a ocupação agora concorrem ao mais alto cargo, o de chefe do estado-maior das forças armadas.

Um deles é Yair Naveh, que deu ordens, em 2008, para matar palestinos suspeitos até mesmo quando eles podiam ser presos de maneira pacífica. Ele não vai para a cadeia, mas a jovem Anat Kamm, que tornou públicas essas ordens, enfrenta agora nove anos de prisão por revelá-las ao diário israelense Haaretz. Nenhum general ou político israelense passará um único dia na prisão por requisitar tropas para disparar contra manifestantes desarmados, civis inocentes, mulheres, velhos e crianças. A luz que irradia do Egito e da Tunísia é tão intensa que também ilumina os espaços mais escuros da "única democracia do Oriente Médio" [como Israel se autodenomina].

(…)

De um jeito ou de outro, o grito da Praça Tahrir é um aviso de que as falsas mitologias da "única democracia do Oriente Médio", do fundamentalismo cristão hardcore (muito mais sinistro e corrupto do que a Fraternidade Muçulmana), do lucro da cínica corporação das indústrias militares, do neo-conservadorismo e do lobby brutal não vão garantir a sustentabilidade da relação especial entre Israel e Estados Unidos para sempre ».

Tomara que ele tenha razão…

Outro historiador israelense, Schlomo Sand, professor de História na Universidade de Tel-Aviv escreveu uma carta aberta ao Ministro das Relações Exteriores Francês, Alain Juppé, publicada no jornal L’Humanité, o único jornal francês que cobre de forma equilibrada o conflito Israel-Palestina. O título já diz muito ; « Israel não pode ser reduzido a um Estado Judaico ». Na carta, o historiador diz : « Nenhum dirigente palestino responsável poderá reconhecer Israel como Estado judaico e hipotecar dessa forma os direitos fundamentais dos israelenses árabes (20% da população de Israel).

Em outro trecho de sua carta, Schlomo Sand escreve : « Imaginemos que Nicolas Sarkozy exija da comunidade internacional o reconhecimento da França como Estado gaulês-católico, isto é, etnorreligioso e não mais como a República francesa, a que reúne todos os franceses e francesas. Estou seguro de que a maior parte das pessoas compreenderia o objetivo do presidente e reprovaria, sem que seja necessário dizer mais nada ».

Segundo Sand, um Estado sob medida para uma comunidade étnica aliena uma grande parte de seus cidadãos. Ele termina a carta dizendo : « O futuro de Israel dependerá da criação de um Estado Palestino e o reconhecimento de Israel como Estado de todos os seus cidadãos constitui uma garantia para sua segurança e perenidade ».


Drummond, Quintana, Torres: um clube seleto

Antonio Torres entrou para o seleto clube do qual fizeram parte Mário Quintana e Carlos Drummond de Andrade, dois grandes poetas nunca eleitos para a Academia Brasileira de Letras. Quintana, porque foi preterido, perdendo para nulidades. Drummond por nunca ter querido apresentar a candidatura. Uma Academia capaz de eleger o general Aurélio de Lyra Tavares (membro da junta militar que governou por alguns meses antes da posse de Médici), « poeta » que se assinava Adelita, e José Sarney não era digno de recebê-lo, deveria cogitar Drummond com seus botões.

Otto Lara Resende, grande escritor e acessoriamente jornalista, querido amigo, foi eleito para a cadeira número 40 da Academia, em 1980. Ao morrer em 1992, a cadeira número 40 foi ocupada pelo novo eleito, o « jornalista » Roberto Marinho. Um amigo disse com propriedade: « O Otto é o único escritor eleito duas vezes para a Academia. A primeira vez por sua obra. A segunda, pelos discursos que escreveu para o « jornalista » Roberto Marinho”.

O « escritor » Roberto Marinho publicou em vida um livro, a coletânea de discursos (escritos pelo seu ghost-writer, conhecido pelo nome de Otto Lara Resende). Não conheço a obra póstuma deste « jornalista ». Vai ver que é fabulosa.

Leio os artigos de intelectuais sobre a morte de Jorge Semprun, grande intelectual, resistente ao nazi-fascismo, espanhol que fixou residência na França depois de voltar do campo de concentração de Buchenwald. Um grande humanista, como salientaram todos. Um grande escritor também, além de roteirista de cinema, tendo trabalhado com Costa-Gavras no roteiro de grandes filmes deste cineasta. Nunca foi eleito para a Academia Francesa, antro de reacionários, por « seu passado comunista ».

Preciso acrescentar algo mais ???


PERFIL *** O leitor

Maurice Nadeau, um século de vanguarda literária

RESUMO
Editor, crítico e historiador da literatura, Maurice Nadeau, ainda ativo aos 100, revelou talentos que vão de Henry Miller a Michel Houellebecq. Pioneiro ao publicar o marquês de Sade em 1947, disputou com Pauvert o título de editor moderno do pornógrafo e tornou-se desafeto de André Breton, líder dos surrealistas.

LENEIDE DUARTE-PLON

NO APARTAMENTO do Quartier Latin em que vive desde a década de 40, Maurice Nadeau tem por companhia solitária o gato preto Grisbi. O espaço, grande e claro, é pequeno para os livros, que se esparramam por todos os cômodos. Nas estantes, distingue-se praticamente tudo o que foi publicado na Bibliothèque de La Pléiade, coleção do cânone francês editada desde os anos 30. A profusão de volumes é a fatura de cem anos de vida deste jornalista, escritor, crítico e editor, completados no último dia 21.
Para marcar a data, o mundo intelectual parisiense programou um sem-fim de homenagens àquele que apresentou aos franceses Henry Miller, Malcolm Lowry, Roland Barthes, Samuel Beckett, Georges Bataille, Georges Perec, Jack Kerouac, Raymond Queneau, Claudio Magris e Michel Houellebecq.
Comecemos pelo fim da lista de serviços prestados à literatura. "Houellebecq é um artesão de talento, preocupado em aparecer e ser conhecido", diz Nadeau, que apostou, em 1994, no jovem desconhecido. Houellebecq havia recebido negativas de várias editoras e lhe fez a corte durante meses, até convencê-lo a publicar seu primeiro romance, "Extensão do Domínio da Luta" [Sulina, trad. Juremir Machado da Silva, 142 págs., esgotado]. "Ele sabe contar histórias num estilo sem enfeites, sóbrio, que, no fundo, não me desagrada", comenta.
Apesar de o livro mais recente de Houellebecq, "O Mapa e o Território" (a ser lançado no Brasil em junho, pela Record), ter recebido em 2010 o Goncourt, o mais cobiçado dos prêmios literários franceses, a obra não convence seu primeiro editor: "Não vejo no livro a verdade de uma vida interior da qual nos falava Walter Benjamin. Há temas interessantes, engraçados, mas um pouco fáceis, que cedem à moda de ser contra tudo". A franqueza de Nadeau é proverbial.
"Maurice é um leitor. Sua vida, feita de austeridade, concentração e modéstia, é a vida de um leitor. A leitura é quase um vício para ele, que partilhou conosco a maior parte das descobertas na literatura do século 20, publicando, analisando e dissecando textos do mundo inteiro.
Ele não quer saber da origem nem da história pessoal do escritor. O que lhe interessa é o texto", diz a escritora e jornalista Laure Adler, que lançou "Le Chemin de la Vie" (o caminho da vida), livro de entrevistas com Nadeau.
No rol de eventos dedicados a ele, houve espaço para dois documentários: "Maurice Nadeau, Révolution et Littérature", de Gilles Nadeau e Alain Poulanges, e "Maurice Nadeau, Le Chemin de la Vie", de Ruth Zylberman.
Realizado por seu filho Gilles, o primeiro trata do engajamento do intelectual na Resistência ao nazismo, numa célula trotskista, além de se debruçar sobre sua passagem pelo jornal "Combat" como crítico literário. O segundo é um retrato do incansável caça-talentos.

UÍSQUE NA REDAÇÃO A idade provecta não parece pesar sobre o corpo alto e vigoroso de Nadeau. Ele continua a caminhar empertigado e faz passeios semanais no jardim de Luxemburgo, a dois passos de seu apartamento.
Durante a manhã, lê os manuscritos que lhe enviam. À tarde, num andar com vista para o museu Georges Pompidou, trabalha na revista "La Quinzaine Littéraire", que fundou em 1966, e em sua editora. A reunião de pauta acontece às quartas, às 18h, embalada a goles de uísque ""os mais sisudos optam por água mineral Perrier e suco de laranja.
Na "Quinzaine Littéraire", escreve, sem remuneração, a fina flor da intelectualidade francesa. A revista, sem publicidade, vive da fidelidade de seus assinantes. Os colaboradores estrelados sabem que são eles que acumulam prestígio ao deitar críticas nas páginas da "Quinzaine", e não o contrário. As estatísticas hiperbólicas construídas ao longo da carreira (40 mil artigos publicados na "Quinzaine", 500 livros editados, 66 anos de edição) não arrefecem o ânimo de Nadeau, que ignora planos de aposentadoria.
"Poderia ter parado há 40 anos, mas sei que já estaria morto", diz. A descoberta mais recente é Yann Garvoz, jovem canadense que qualifica como "Sade moderno".

SADE Aliás, de Sade Maurice Nadeau entende. Foi ele que, em 1947, retirou o "divino marquês", como o chamam os franceses, do Inferno, a protegidíssima seção de livros eróticos e pornográficos da Biblioteca Nacional.
Durante meses, o editor foi lá copiar textos de Sade, até ter a obra pronta para publicação. "Quando publiquei a antologia de textos filosóficos de Sade, ela foi retirada das livrarias na França. Depois disso, Sade se tornou um autor lido e conhecido", gaba-se Nadeau.
A amizade ""logo degenerada em rivalidade"" com o editor Jean-Jacques Pauvert veio justamente do interesse de ambos pelo escritor, então proscrito.
Salomônica, a cronologia que consta da edição Pléiade das obras completas de Sade menciona, no mesmo ano (1947), a publicação de uma antologia por Nadeau e o início da edição das obras completas por Pauvert.
Além disso, os antagonistas figuram entre os especialistas consultados para a realização do trabalho da Pléiade.
Numa entrevista ao jornal "Le Monde" em 2006, ao ser questionado sobre inimigos, Nadeau respondeu: "Tenho um, Jean-Jacques Pauvert. Mas não sei mais por quê, e ele provavelmente também não".
Outro amigo que virou desafeto foi o poeta André Breton, autor dos "Manifestos do Surrealismo".
Conhecido por seu narcisismo e descontente com a "História do Surrealismo" publicada em 1945 por Maurice Nadeau ""que provavelmente não a escreveu tão bem como ele próprio teria feito"", Breton não esconde seu prazer em demolir Nadeau no artigo "Flagrant Délit" (flagrante delito), de 1949. Nele, o teórico espezinha um erro do então crítico de "Combat", que pensara ter descoberto um poema original de Rimbaud. Quem conta o episódio é Pauvert, em suas memórias. Nadeau anunciava com "falsa modéstia" a novidade: o manuscrito da obra perdida mais célebre de Rimbaud, "La Chasse Spirituelle" [a caça espiritual], teria sido encontrado.
Estava com Pascal Pia, diretor de "Combat". A notícia gerou comoção no meio intelectual francês.
Havia, porém, quem questionasse a autenticidade. O erro de avaliação de Nadeau é chamado por Pauvert de "impostura". E Breton, ao denunciar o pastiche, identificado posteriormente como obra de dois jovens comediógrafos, vingava-se do antigo companheiro trotskista e de sua versão da história do surrealismo.
Vinte e cinco anos depois, ao tomar conhecimento da intenção de Pauvert de reeditar o artigo demolidor de Breton, Nadeau teria suplicado a ele que abortasse o projeto. "É preciso levar em conta a inacreditável ingenuidade de Maurice Nadeau [...] Como pôde pensar que eu censuraria Breton em favor dele?", alfineta Pauvert.
"Apesar de não ter mudado nem sequer uma linha, Breton autografou para mim uma reedição dos
Manifestos do Surrealismo', enfatizando sua viva estima, que em outros tempos foi amizade'", contemporiza Nadeau.
Sem querer, do meio de seu anedotário Nadeau pinça um episódio que corrobora a imagem inocente colada nele por Pauvert. Conta o editor que, certa vez, dois homens entraram em sua casa, num intervalo de minutos.
Um se apresentou como funcionário da prefeitura de Paris; outro, como policial à caça de um bandido. Por obra de uma mise-en-scène exemplar, os golpistas conseguiram levar dinheiro e pertences do dono do imóvel.

PREJUÍZO Convidado em 1953 por René Julliard, Maurice Nadeau se integrou às Editions Julliard, onde passa a dirigir a revista "Les Lettres Nouvelles" (novas letras), além de uma coleção literária. Depois, vieram as editoras Denoël, Laffont e, por fim, as edições Le Sycomore/Maurice Nadeau.
Seja como assalariado de casas de prestígio, seja à frente de sua própria empresa, Nadeau tem por norma só publicar autores que lhe agradem. A tradução financeira desse rigor era prejuízo para os patrões.
"Julliard sabia que perdia dinheiro com meus autores, mas que a editora ganhava uma aura intelectual", diz. "Meus patrões editores sempre perdiam dinheiro. Acabavam me mandando embora depois de algum tempo." Como escritor, Nadeau também teria do que se orgulhar: seu "Gustave Flaubert Écrivain" ganhou o prêmio da crítica literária em 1969; anterior, "História do Surrealismo" (1945) é referência na matéria, apesar das críticas de Breton. "Ele é um escritor completo, como os melhores que edita", escreveu o italiano Claudio Magris, no número especial da "Quinzaine" dedicado ao centenário de seu fundador.
Longe das letras, o jornalista viveu a experiência da clandestinidade na Resistência e escapou por pouco de ser preso pela Gestapo. As convicções trotskistas não se esvaíram com o fim da guerra. Ele segue votando na esquerda e se entusiasmou com as recentes revoltas no mundo árabe: "Teocracia e democracia é uma rima impossível. O mais interessante nas revoluções tunisiana e egípcia é que tudo veio do povo, da base. Não foi algo dirigido nem mesmo pelos intelectuais".
Na língua de Maurice Nadeau, maturidade e idealismo dão um jeito de rimar.

O jornalista escapou por pouco de ser preso pela Gestapo. As convicções trotskistas não se esvaíram com o fim da guerra

Durante a manhã, lê os manuscritos que lhe enviam. À tarde, trabalha na "Quinzaine Littéraire", fundada por ele em 1966

Em 2006, ao ser questionado sobre inimigos, Nadeau disse: "Tenho um, Jean-Jacques Pauvert. Mas não sei mais por quê"

*** Publicado na Ilustríssima da Folha de São Paulo em 12 de Junho de 2011



sexta-feira, 10 de junho de 2011

Anne Sinclair, Amélia à la française, uma mulher fálica

Ela foi um dos rostos mais conhecidos da França, apresentadora do programa de entrevistas políticas 7 sur 7, de 1984 a 1997. Atualmente, é o centro de interesse de alguns psicanalistas franceses e do grande público, que se pergunta o que lhe passa no coração e na mente.

Anne Sinclair, 62 anos, nascida Anne-Elise Schwartz, deve ser a chave do mistério Strauss-Kahn. « Ela é uma mulher fálica », diz um psicanalista. Segundo a imprensa, o desejo da presidência vinha dela. Dominique Strauss-Kahn realizou (se realmente cometeu o estupro) um ato de libertação de uma campanha que inconscientemente não queria viver, diz outro psicanalista, cometeu um suicídio simbólico, pondo fim a sua carreira política quando sua popularidade estava no auge e era apontado como o melhor candidato do Partido Socialista para vencer Sarkozy em 2012. Antes do « affaire », Anne Sinclair declarara a um jornal que « a França está madura para eleger um presidente judeu » (como ela, neta do marchand Paul Rosenberg, herdeira de uma fabulosa fortuna, contada em bilhões de euros, posta a serviço da carreira do marido e que serve hoje para protegê-lo na difícil situação em que se encontra).

Anne Sinclair escreveu no seu blog, em 2008, depois que o affaire de DSK com a economista húngara do FMI foi desqualificado como abuso de poder na investigação interna do órgão : « Isto foi um affaire de uma noite, já viramos a página e nos amamos como no primeiro dia ». Antes dela, Hillary Clinton também aprendeu a engolir sapos e virar páginas na vida com Bill. Anne Sinclair se diz « blindada para o poder do boato ».

Veremos se o casamento vai resistir depois de passado o furacão do processo.

O tsunami – DSK é de esquerda ?

O « affaire » DSK foi como um tsunami, cuja violência é difícil de avaliar por quem não mora na França. Nesta segunda, todos pararam para ver e ouvir ao vivo o desenrolar do processo. Antes do affaire, Strauss-Kahn era o melhor colocado entre os políticos do Partido Socialista para derrotar o atual presidente Sarkozy na eleição de 2012. Pelas pesquisas, ganhava folgadamente no primeiro e no segundo turno, se a eleição fosse antes da semana fatídica. Ele era uma espécie de messias ansiosamente esperado que ao declarar sua candidatura e deixar o FMI em junho iria reunir as forças de esquerda em torno do projeto socialista. No segundo turno, DSK mandaria Sarkozy de volta para casa com sua mulher e o violão. Carla iria cantar em outra freguesia, não mais nos salões dourados do Elysée.

O sonho presidencial de Strauss-Kahn não era mais segredo para ninguém. De passagem por Paris em abril, encontrou-se com jornalistas para conversas em off nas quais admitia claramente sua próxima saída do FMI. Mas pairava uma dúvida. Antes da hecatombe, nos debates políticos, jornalistas e políticos de esquerda costumavam fazer a pergunta : « Dominique Strauss-Kahn é de esquerda ? » Os socialistas próximos de DSK não tinham dúvidas. Já Jean-Luc Mélanchon (criador do Parti de Gauche), como outros (inclusive a autora deste blog), tinha a resposta : um homem que aceita dirigir o FMI, com a imposição pelo órgão de políticas restritivas para os assalariados, aperto de cinto para os mais fracos, não pode mais ser considerado de esquerda.

O que é ser de esquerda ? Vou ficar sabendo o que dizem alguns intelectuais e políticos sobre o tema quando for ver o filme lançado esta semana em Paris. Après la gauche é do cineasta Jérémy Forni e nele políticos e intelectuais como Susan George, Lionel Jospin, Antonio Negri, Bernard Stiegler, Eric Hazan, Jean Ziegler, Robert Castel, Edwy Plenel, entre outros, debatem o que é a esquerda hoje, depois do desaparecimento da URSS e da recente crise financeira.

O que se passou na suite 2806 dia 14 de maio ? Por coincidência, 28/06 era a data limite que os candidatos do PS têm para depositar as candidatura às eleições primárias que indicarão o representante do partido em 2012. Um detalhe que mostra que, muitas vezes, a realidade pode ser mais intrigante que a ficção…

Se fosse na França, um « affaire » como esse nunca seria do conhecimento público, sustentam alguns. A polícia francesa trataria de abafar o caso, o poderoso (fosse americano, francês ou russo) partiria em paz e a « femme de chambre » se calaria para sempre. Jornalistas, sociólogos e feministas enfatizam que muitos outros casos escandalosos (envolvendo DSK ou outros personagens) eram do conhecimento dos jornalistas e nunca chegaram ao público. O affaire DSK mudou para sempre o panorama político francês. Um novo caso, desta vez envolvendo o ministro e prefeito de Draveil, Georges Tron, mistura abuso de poder e assédio sexual. O ministro se demitiu (pressionado pelo Eliseu). Esse afastamento imediato, logo depois da denúncia, é a prova de que nunca mais o mundo político francês será o mesmo. Detalhe : aqui na França existe o que se chama cumul des mandats : um ministro pode ser prefeito, deputado e ministro e exercer ao mesmo tempo as três funções. Ou apenas duas delas, deputado e prefeito, como dezenas deles.

Entre as dezenas de piadas em torno do affaire DSK, duas são publicáveis :

O filme sobre a campanha de Sarkozy para presidente, lançado em Cannes, se chama « La conquête du pouvoir » (A conquista do poder). O filme sobre DSK vai se chamar « La quéquette du pouvoir » (quéquette é uma gíria para o órgão sexual masculino). Por associação, me vêm à mente outras palavras que designam o órgão sexual masculino e são todas femininas. « Bizarre », diria minha amiga Françoise…

Outra piada diz que DSK « confundiu as primárias com as preliminares ». Em francês, há uma rima rica (Il a confondu primaires avec préliminaires…).

Abaixo, o texto que escrevi para o Observatório da Imprensa sobre o mea-culpa da imprensa francesa, acusada por muitos de « omertà » pois o diretor-geral do FMI carregava uma série de histórias conhecidas no meio jornalístico.

Caso Strauss-Kahn - A omertà da imprensa francesa

Leneide Duarte-Plon, publicado no Observatório da Imprensa de 25/5/2011

Por que os jornalistas franceses se calaram tanto tempo? A imprensa deve publicar tudo o que os jornalistas sabem sobre a vida privada dos políticos? Onde termina a vida privada e onde começa a vida pública? Por que a imprensa francesa nunca comentou as histórias de donjuanismo de Dominique Strauss-Kahn, o ex-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional?

Excetuando-se o caso que ele teve com uma economista do FMI, denunciado por um jornal americano e investigado pelo Fundo para ver se era o caso de afastar ou não o então diretor por assédio sexual, na França ninguém ousava escrever sobre o Don Juan que assediava jornalistas e colegas de trabalho. Com a tese de que a relação foi consensual, o FMI fechou aquela página e os socialistas se preparavam para apostar no brilhante economista para representá-los na eleição presidencial de 2012. DSK era o preferido da esquerda contra Sarkozy.

No entanto, le tout Paris jornalístico conhecia a fama de sedutor e mesmo de libertino (libertin, em francês, aquele que vive uma sexualidade livre, sem entraves, como os libertins do século 18) do personagem. Por que todos se calaram todo tempo?

Acusados pela imprensa internacional de timidez na melhor das hipóteses, incompetência e conivência na pior, os jornalistas franceses responderam com horas e horas de discussão, páginas e páginas de artigos tentando se justificar nos jornais, revistas semanais e programas de debates na televisão e no rádio. O jornal Le Monde publicou, entre outras, duas páginas exclusivamente de artigos sob o título geral "O papel da mídia no affaire DSK", seguido do subtítulo "Os jornalistas praticaram a ormetà em relação a Dominique Strauss-Kahn? Houve conivência entre os jornalistas e DSK?"

Num dos artigos, o jornalista Nicolas Beau relembra que seus colegas praticaram a omertá por 14 anos, escondendo da opinião pública francesa o que sabiam: que o então presidente da República François Mitterrand tinha uma filha fora do casamento; que a protegia às custas do contribuinte francês (com um esquema de segurança); e da cumplicidade dos jornalistas, impedidos de publicar a história por respeito à lei que reza que "todo cidadão tem direito ao respeito de sua vida privada".

Os jornalistas sabiam das relações extraconjugais dos presidentes Giscard d’Estaing e Jacques Chirac, e nunca uma linha sequer saiu nos jornais durante os respectivos mandatos. A mulher de Chirac mencionou as relações extraconjugais do marido em um livro de entrevistas a Patrick de Carolis, publicado quando ele ainda estava no poder.

Só até a porta do quarto

"A informação pára na porta do quarto de dormir", escreveu o semanário Le Canard Enchaîné em seu editorial do primeiro número depois do "affaire DSK. O jornalista Franz-Olivier Giesbert, diretor da revista Le Point defende a tese de que como não havia nenhum caso de delito, a imprensa não tinha que investigar a vida sexual de Dominique Strauss-Kahn, assim como não tem de investigar a vida de quem quer que seja.

A exceção à lei do silêncio foi o jornalista de Libération, Jean Quatremer, que escreveu no seu blog em 2007, logo depois da nomeação de Strauss-Kahn para a direção do FMI: "O único problema de Strauss-Kahn é sua relação com as mulheres. Apressado, ele beira frequentemente o assédio. Uma fraqueza conhecida da mídia, mas da qual ninguém fala..."

O único que teve a coragem e a audácia de comentar, em 2009, com um humor cáustico, a fama de Don Juan do então diretor do FMI foi o humorista Stéphane Guillon, numa crônica que fazia diariamente na estação de rádio France Inter. As alusões e os trocadilhos do genial texto de Guillon desagradaram ao poderoso DSK. Entrevistado ao vivo poucos minutos depois da crônica, Dominique Strauss-Kahn demonstrou seu descontentamento no ar. Poucos dias depois, o humorista foi demitido da rádio, uma das estações que fazem parte da estatal Radio France. A demissão provava que para o poderoso DSK "jornalista bom é jornalista calado".

A quem compreende o francês sugiro o vídeo de Stéphane Guillon lendo sua crônica (gravado ao vivo) e a reação de DSK

http://www.liberation.fr/medias/0101320078-comment-stephane-guillon-a-ulcere-dsk-sur-france-inter

Neste link

Pressões da assessoria

No livro Sexus politicus, lançado em 2006, que analisa a sexualidade dos políticos franceses, os jornalistas Christophe Deloire e Christophe Dubois escreveram um capítulo dedicado a DSK e nele mencionavam, sem dar o nome dela, o caso da jornalista Tristane Banon, com quem Strauss-Kahn marcou um encontro para uma entrevista. Ao chegar, a jovem descobre que o apartamento é uma garçonnière com um sofá e uma cama como únicos móveis. Tristane contou que DSK tentou estuprá-la. Esse caso era conhecido de inúmeros jornalistas – que fizeram um silêncio ensurdecedor. O advogado da jornalista justifica: "É aterrorizador se opor a alguém como Dominique Strauss-Kahn".

Depois do atual affaire, o Libération lembrava que El País publicara um artigo de seu correspondente em Paris no qual atribuía a Sarkozy a recomendação feita a DSK, em 2007, logo depois de sua nomeação para o FMI: "Cuidado, nos Estados Unidos não se brinca. Evite entrar sozinho num elevador com uma estagiária. Você sabe de que eu estou falando. A França não pode se permitir um escândalo".

Na Itália, o jornal do irmão de Berlusconi, Il Giornale, atacou duramente os franceses num editorial: "Strauss-Kahn era de fato um homem doente que não foi impedido a tempo, pagando paradoxalmente pela sutil hipocrisia de uma França onde a imprensa não hesita em dar lições de transparência e moralidade aos outros, mas que diante de seus poderosos – seja Strauss-Kahn ou Sarkozy – se mostra extraordinariamente covarde. Covarde até a omertà".

O Times de Londres escreveu que os "britânicos podem ser pudicos em relação ao sexo enquanto os franceses são fascinados pelos sedutores políticos". Para o diário britânico, o escândalo DSK pode ser visto "como o machismo no banco dos réus, a cultura francesa do segredo que considera que ser mulherengo faz parte de uma longa tradição francesa: liberté, égalité, infidélité".

Na Newsweek, Michelle Goldberg escreveu que o silêncio da imprensa francesa que protegia DSK lembra uma conspiração para permitir a um homem poderoso a exploração de mulheres desprotegidas. "E os defensores de Strauss-Kahn, entre eles o eminente Bernard-Henri Levy, aparecem não como humanistas refinados, mas como membros de um clã de personalidades narcísicas dotadas de um sentimento desmesurado de que tudo lhes é permitido".

Os escrúpulos dos jornalistas não se limitavam aos escândalos sexuais de DSK. A omertà funcionava em todos os níveis. Quando o jornal France-Soir revelou – poucos dias antes do escândalo de Nova York – que os ternos de DSK custavam até 30 mil dólares, feitos pelo mesmo alfaiate de Barack Obama, em Washington, a agência France Presse confirmou a informação, mas a jornalista que fez a investigação sofreu todas as pressões imagináveis dos marqueteiros que cuidam da imagem do ex-chefe do FMI.

Todos iguais perante a Justiça ?

O campeão da democracia Bernard-Henri Lévy mostrou-se indignado pelo fato de DSK ser tratado pela Justiça americana como um cidadão como outro qualquer. Ora, para ele, a Justiça americana deveria tratar o então diretor-geral do FMI com as honras devidas aos poderosos e não como um cidadão comum. Afinal, a Justiça Americana é cega? Resposta a partir desta semana…

Árvore da vida, o garoto da bicicleta e Godard

Tree of life, de Terence Malick, Palma de ouro do festival de Cannes deste ano é um poema filosófico. Não agradou unanimemente à crítica francesa, dividida entre os que consideram Malick e o filme absolutamente geniais (com os quais concordo) e os que não se entusiasmam ou são imunes ao filme. Malick tem um currículo de pasmar : é filósofo, formado em Harvard e professor do MIT. Além do mais, é o contrário do mundo do show-business que faz tudo para aparecer. Para eles, aparecer é existir.

Já Malick não se deixa fotografar nem dá entrevistas. Estava no Festival de Cannes mas ninguém o viu, não apareceu nem mesmo para receber o prêmio. Seus amigos justificaram : Terence é tímido. O cineasta é simplesmente um homem genial, um intelectual discreto, o oposto da gente do show business onde a maioria faz tudo para aparecer.

Le gamin au vélo dos irmãos Dardenne é outro filme de Cannes (Grand Prix deste ano) que deve ser visto. O menino do filme é um ator de grande talento, o roteiro é vigoroso, os diálogos despojados. Tudo é justo e necessário na narrativa do drama humano de um menino rejeitado pelo pai. Uma aula de como fazer cinema sem « bavardage » e sem psicologia.

Vivre sa vie, de Jean-Luc Godard, de 1962, com Anna Karina com 22 anos e já uma atriz premiada no festival de Berlim, em 1961, por seu trabalho em Une femme est une femme, também de Godard, volta a Paris em nova cópia. No seu quarto filme, o cineasta, revelado no genial A bout de souffle (Acossado) mostra mais uma vez que faz cinema para inventar e subverter normas e regras da sétima arte. A forma é revolucionária, personagens filmados de costas, dialogam por longos minutos e o espectador os vê, quando muito, no reflexo do espelho do café. Econômico nos diálogos, o filme consolidou o prestígio de Godard e é uma declaração de amor a Anna Karina, então sua mulher. A câmera de Godard é totalmente apaixonada pela atriz que está no apogeu de sua beleza. Na sessão de sábado à tarde, no Quartier Latin, o fotógrafo François-Marie Banier (o queridinho de Liliane Bettencourt, a dona da L’Oréal) fazia fotos da fila antes de entrar para (re)ver o filme.

Depois de se separar de Godard, Anna Karina atriz trabalhou com outros diretores consagrados, escreveu quatro romances, gravou discos e dirigiu o filme Victoria, em 2008.