segunda-feira, 18 de julho de 2011


Eva Joly, candidata anticonformista
Eva Joly a candidata do partido Les Verts-Europe Ecologie à presidência da República em 2012 declarou que sonhava que a França festejasse o dia 14 de julho (Queda da Bastilha) com um « défilé citoyen » (desfile civil, dos cidadãos), no qual « crianças, estudantes e idosos desfilariam para comemorar a felicidade de estar juntos e festejar os valores que unem o povo francês ». Para ela, o desfile militar nos Champs Elysées é coisa do passado, da época em que a França era uma potência colonial.

Eva Joly tem dois defeitos para a direita francesa : é antimilitarista e nasceu em Oslo, na Noruega. Naturalizada francesa, vive na França há 50 anos, é uma respeitada juíza aposentada mas fala com ligeiro sotaque norueguês. E foi à sua origem estrangeira que o primeiro-ministro Fillon se referiu quando disse que « esta senhora não compreendeu ainda as tradições francesas, os valores franceses, a história francesa ». Está reaberta a cantilena tão cara ao Front National de Le Pen : francês verdadeiro é o que se designa como « français de souche », que nasceu aqui, de preferência de pais brancos e franceses há várias gerações.

Depois de declarar num primeiro momento que não concordavam com Eva Joly, todos os candidatos à indicação do Partido Socialista voltaram ao tema para criticar o primeiro-ministro, que tentou desqualificar a ex-juíza pela sua origem estrangeira. Na realidade, a candidata dos verdes retomou a proposta formulada pelos vereadores verdes de Paris que num comunicado pediram a supressão do desfile militar do 14 de julho, em função do custo financeiro e ecológico mas também pelo fato de « a França ser uma das raras democracias que organizam um gigantesco desfile militar no dia de sua festa nacional. Na maior parte dos países europeus e da América do Norte, a data nacional é festejada com grandes manifestações populares e não com uma demonstração de força militar. São as ditaduras que em geral organizam esse gênero de desfiles », dizia o comunicado.

O problema é que a indústria militar francesa, da qual Sarkozy é o caixeiro viajante, é mais forte que a ex-juíza que ficou conhecida por sua probidade. François Hollande, ex-secretário geral e candidato a candidato do Partido Socialista criticou Fillon dizendo que o primeiro-ministro ofende não somente Eva Joly mas todos os franceses que adquiriram a nacionalidade há pouco ou há muito tempo. O próprio Sarkozy é filho de um imigrante húngaro e um quarto dos jovens de menos de 25 anos têm pelo menos um genitor estrangeiro ou de origem estrangeira.

Abaixo o desfile militar do 14 de Julho no Champs Elysées !

Ver o Carnaval do Rio … e morrer
Nota do jornal L’Humanité: « Enfim, uma boa notícia. O carnaval do Rio aconteceu em excelentes condições, dizem as autoridades da megalópole brasileira. Alegria, danças e paetês atraíram centenas de milhares de pessoas e numerosos turistas estrangeiros. Detalhe : « somente » 37 pessoas foram mortas durante as festas. Ver o Rio e morrer ».
A nota é de 2 de março de 2001 e foi encontrada entre recortes de jornal. E este ano, quantas pessoas morreram no carnaval carioca ?
Lanzmann e as cartas de Beauvoir
Leio no Globo : « Editor da "Les Temps Modernes", revista bem popular nos anos 60, fundada por Jean-Paul Sartre (Lanzmann foi amigo de Sartre e chegou a ser namorado de Simone de Beauvoir), ele lembrou que, mesmo em "Shoah", não quis entender a crueldade do Holocausto, apenas expô-la ».
Apresentar a revista Les temps modernes, fundada por Jean-Paul Sartre e por Simone de Beauvoir, dois dos mais importantes filósofos franceses do século XX, como « revista bem popular nos anos 60 » é simplório, risível e expõe a ignorância do jornalista e o nível de desinformação dos jornais brasileiros. O que é uma « revista bem popular » ? Tudo o que não era Les Temps Modernes na época de Sartre e Beauvoir.
Depois da entrevista que fiz com Lanzmann para a Folha de São Paulo (era a segunda vez que o entrevistava), pedi a ele para me autografar seu livro « Le lièvre de Patagonie ». Ele escreveu : « Pour Leneide Duarte-Plon, pour son esprit aigu, son sourire, son charme et son intelligence, avec toute l’amitié de Claude Lanzmann ».
O velho urso ranzinza - que me recebeu com uma bronca porque eu não atendi ao celular quando ele e sua secretária tentaram me contactar para remarcar o encontro para o dia seguinte - estava domado ao final da entrevista feita na sala de seu apartamento em Paris e publicada dois meses antes de sua ida a Paraty. Mesmo discordando totalmente do sionismo racista do escritor de um único livro, me mantive neutra durante toda a conversa.
A reação da filha adotiva de Simone de Beauvoir, Sylvie Le Bon de Beauvoir, quando eu lhe disse em 2002 que Lanzmann escreveria um livro sobre sua relação com Beauvoir foi : « Mas Lanzmann nunca escreveu um livro ! Ele disse que vai escrever ? Não acredito que ele seja capaz ! » Ela não escondia o desprezo que tem pelo atual diretor da revista Les temps modernes. Este ano, quando perguntei a Lanzmann por que ele não publicava as cartas que trocou com Beauvoir, ele respondeu irritado : « A filha dela não permite e pelas leis francesas só ela tem o direito de publicar tudo relativo a Simone. Sylvie Le Bon de Beauvoir tentou me eliminar da vida de Simone de Beauvoir ».
My little Princess
Esse filme ilustra o que Lacan via na relação mãe-filha : « un ravage » (uma devastação). A história é verdadeira, é a vida da diretora, Eva Ionesco, transformada em ícone de fotos eróticas por sua mãe, uma fotógrafa de sucesso nos anos 70. Irina Ionesco expunha as fotos de sua filha, feitas dos 4 aos 12 anos, em galerias e vendia a revistas como Lui, Playboy, Der Spiegel.
« O escândalo é que havia uma oferta porque havia a demanda », diz Eva Ionesco falando de uma época, que ainda não denunciava a pedofilia, e de sua mãe, obcecada pela imagem.
A diretora construiu um roteiro brilhante, sóbrio, sem sentimentalismo, como se dissecasse um cadáver. Mas esse cadáver é o seu e o de sua mãe. Para o papel da menina (Eva quando criança) ela encontrou uma garota talentosíssima, Anamaria Vartolomei, à altura da sempre genial Isabelle Huppert, que vive a mãe de Eva Ionesco. « Se a infância é uma cicatriz nunca totalmente fechada, My little princess é uma bela tentativa tardia de colocar alguns pontos de sutura nela », disse a revista Le Point.
Martha Graham Memórias
Fomos ver no início de julho em Paris, meu marido e eu, o Ballet da Companhia Brasileira de Dança Contemporânea Studio 3 Cia, de São Paulo. O nível técnico dos dançarinos, a beleza e a força do espetáculo (aplaudido 15 minutos sem parar) nos entusiasmaram. Pedi a Michel para escrever algo sobre o espetáculo, já que ele aprecia a dança, e sempre frequentou espetáculos internacionais de ballet clássico e moderno, inclusive tudo o que Pina Bausch mostrou em Paris. Eis sua apreciação :
« O fato de se tratar de uma companhia brasileira não deve nos levar a essa visão estereotipada e folclórica que faz com que frequentemente, sobretudo na França, façamos a referência ao país do samba e do carnaval. A Studio 3 é uma companhia de dança de classe internacional que alia com rara felicidade e imensa harmonia a força e a leveza, a beleza dos corpos, a técnica e a estupenda maleabilidade. Elementos que foram postos a serviço de Martha Graham e de suas memórias, que inspiraram respeito e amor tanto ao coreógrafo Anselmo Zolla quanto ao diretor José Possi Neto. Com música da mais extrema modernidade que faz ressoar acentos africanos mas também peças do grande repertório clássico, essa história e seus episódios, ora extáticos ora violentos, melancólicos e engraçados, nos são não contados mas dançados. Os aplausos entusiasmados que duraram mais de dez minutos nos levaram a pensar em todos os que amam a dança e poderiam partilhar o mesmo prazer. Pena ! Só três representações estavam previstas, o que nos fez saborear ainda mais o nosso privilégio. »(Michel Plon)
Uma separação
Mais de 600 mil expectadores já viram essa obra-prima do cinema iraniano, Urso de Ouro de Berlim deste ano e dois Ursos de Prata de interpretação. O filme do cineasta iraniano Asghar Farhadi é um tremendo sucesso de crítica e de público em Paris. Un chef d’œuvre/ 2h à couper le souffle/ un film choc/ une pépite/ Le film du mois/ Un film virtuose/ coup de cœur/ Un film immense/ Passionnant. A crítica foi unânime e não poupou elogios.
E o público vem enchendo as salas, que vão continuar a exibir por mais algumas semanas o maior sucesso de bilheteria do cinema iraniano. Atores fantásticos, roteiro impecável, direção de mestre. A atriz principal deu entrevistas nos jornais, na televisão e fala um francês perfeito, além de ter uma beleza que lembra Ingrid Bergman quando jovem.
Rembrandt e a imagem de Cristo
Terminou neste fim de semana uma das melhores exposições que o Louvre fez recentemente. Ela revelou um Rembrandt que revolucionou totalmente a representação de Cristo ao pintar um homem frágil, humano a partir de um modelo jovem que habitava o mesmo bairro judeu que o artista, na Amsterdã do século XVII. Rembrandt trabalhou muito em encomendas de retratos de judeus ricos de Amsterdã, a cidade europeia com a maior comunidade judaica naquele século.
A exposição do Louvre Rembrandt et la figure du Christ foi aclamada pela crítica por possibilitar aos visitantes e amantes de arte uma verdadeira aula da evolução da figura de Cristo em 85 quadros, desenhos e gravuras. Antes de Rembrandt, o Cristo costumava ter a aparência de um homem de origem nórdica, como nos quadros e gravuras de Dürer, ou de um homem poderoso e vigoroso tal qual um imperador romano, como se vê na pintura de Michelangelo e de Mantegna. As obras originais desses artistas estavam presentes para a comparação.
A mostra era uma verdadeira aula da evolução das representações do Cristo para mostrar como Rembrandt inventou uma figura diferente e criou um gênero específico chamado « cabeça de Cristo », um retrato e ao mesmo tempo objeto de culto.
CORRESPONDENTE DE GUERRA
Jornalista, profissão de alto risco
*** Publicado em 04/07/2011 na edição 649 do Observatório da Imprensa
Foi mais uma vitória dos serviços secretos e da diplomacia francesa. Mas a que preço?
Depois de 547 dias de cativeiro (exatos um ano e meio) nas mãos dos talibãs, com pouca comida, isolamento total e a incerteza de uma volta à França, os jornalistas Hervé Ghesquière e Stéphane Taponier chegaram a Paris na quinta-feira (30/6), com honras de heróis e direito a cobertura direta de canais de televisão e estações de rádio. No país inteiro havia com frequência mobilizações pela libertação dos dois reféns sequestrados no Afeganistão no dia 30 de dezembro de 2009, quando gravavam uma reportagem para o programa Pièces à conviction, do canal público France 3.
Além do enxame de jornalistas que foi ao aeroporto militar registrar a volta de Hervé e Stéphane, o presidente Nicolas Sarkozy e sua mulher também quiseram marcar presença. Mas nenhuma câmera mostrou o casal presidencial, que cumprimentou os ex-reféns num local reservado dentro do aeroporto. Seria ridículo o presidente querer roubar a festa que os empregados de France Télévisions (11 mil pessoas), os amigos e a família organizaram para os ex-reféns. Para não ser acusado de querer faturar politicamente a libertação, o Eliseu não permitiu que fossem feitas imagens do presidente cumprimentando Hervé e Stéphane.
“A França não paga resgate”
Sobretudo depois do mal-estar inicial, quando o governo deu um passo em falso. A detenção dos dois jornalistas (o repórter e o cameraman), assim como de seus acompanhantes afegãos, foi recebida em Paris com críticas do secretário-geral do Eliseu à “imprudência” de se mandar repórteres para zonas de alto risco. Um general chegou a calcular a soma de 10 milhões de dólares para uma possível libertação dos reféns.
Esse debate sórdido foi criticado pelos analistas e retificado a posteriori pelo silêncio e discrição das autoridades. O ministro das Relações Exteriores passou a dar sistematicamente garantias de que a França estava mobilizando seus serviços diplomáticos e o serviço secreto para conseguir a libertação dos reféns. Depois de muitos momentos de incerteza na negociação com os diversos grupos talibãs e muita negociação top secret, finalmente o governo afegão do presidente Karzai, a França e os talibãs encontraram o acordo que satisfez a todos.
Mais magros mas sem esconder a euforia causada pela recuperação da liberdade, os dois ex-reféns detalharam as condições de detenção duras, mas garantiram que em nenhum momento sofreram violência física. Um leitor de um jornal online francês observou que, contrariamente ao que os franceses fizeram na guerra da Argélia, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha fazem no Iraque e no Afeganistão, os reféns franceses não foram torturados nem sofreram qualquer tipo de violência física enquanto estiveram presos nas mãos dos talibãs.
O problema é o preço pago. Sabe-se que os talibãs exigiam (e obtiveram) a libertação de dois importantes chefes de guerra. Quanto à soma paga (todos sabem que há sempre uma exigência em dinheiro), é um assunto tabu. O ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé, garante que “a França não paga resgate”. O jornalista Laurent Joffrin, ex-diretor de redação do Libération e atual diretor doNouvel Observateur,defende o silêncio das autoridades. Falar de quantias pagas por reféns libertados seria, segundo ele, alimentar e inflacionar um mercado de sequestros no mundo inteiro. Atualmente, há seis reféns franceses em países africanos.
Congresso das vítimas do terrorismo
O anúncio da libertação não poderia ser mais oportuno. Foi feito pelo presidente Sarkozy em telefonema à família e aos organizadores do comitê de apoio à libertação dos dois jornalistas, reunidos com centenas de pessoas diante da prefeitura de Paris para marcar os 18 meses do sequestro com enormes faixas com fotos de Hervé e Stéphane. Em vez de se despedirem marcando nova data para continuar a mobilização, todos comemoraram ali mesmo a volta dos dois jornalistas.
O “problema dos reféns de terroristas no mundo” será o centro dos debates do VII Congresso Internacional das Vítimas do Terrorismo, de 15 a 17 de setembro deste ano em Paris. Na ocasião, diversos ex-reféns falarão de suas experiências.
*** Leneide Duarte-Plon é jornalista baseada em Paris
Deus deveria agradecer a Bach pois Bach é a prova da existência de Deus. (Cioran)

Eva Joly, candidata anticonformista

Eva Joly a candidata do partido Les Verts-Europe Ecologie à presidência da República em 2012 declarou que sonhava que a França festejasse o dia 14 de julho (Queda da Bastilha) com um « défilé citoyen » (desfile civil, dos cidadãos), no qual « crianças, estudantes e idosos desfilariam para comemorar a felicidade de estar juntos e festejar os valores que unem o povo francês ». Para ela, o desfile militar nos Champs Elysées é coisa do passado, da época em que a França era uma potência colonial.

Eva Joly tem dois defeitos para a direita francesa : é antimilitarista e nasceu em Oslo, na Noruega. Naturalizada francesa, vive na França há 50 anos, é uma respeitada juíza aposentada mas fala com ligeiro sotaque norueguês. E foi à sua origem estrangeira que o primeiro-ministro Fillon se referiu quando disse que « esta senhora não compreendeu ainda as tradições francesas, os valores franceses, a história francesa ». Está reaberta a cantilena tão cara ao Front National de Le Pen : francês verdadeiro é o que se designa como « français de souche », que nasceu aqui, de preferência de pais brancos e franceses há várias gerações.

Depois de declarar num primeiro momento que não concordavam com Eva Joly, todos os candidatos à indicação do Partido Socialista voltaram ao tema para criticar o primeiro-ministro, que tentou desqualificar a ex-juíza pela sua origem estrangeira. Na realidade, a candidata dos verdes retomou a proposta formulada pelos vereadores verdes de Paris que num comunicado pediram a supressão do desfile militar do 14 de julho, em função do custo financeiro e ecológico mas também pelo fato de « a França ser uma das raras democracias que organizam um gigantesco desfile militar no dia de sua festa nacional. Na maior parte dos países europeus e da América do Norte, a data nacional é festejada com grandes manifestações populares e não com uma demonstração de força militar. São as ditaduras que em geral organizam esse gênero de desfiles », dizia o comunicado.

O problema é que a indústria militar francesa, da qual Sarkozy é o caixeiro viajante, é mais forte que a ex-juíza que ficou conhecida por sua probidade. François Hollande, ex-secretário geral e candidato a candidato do Partido Socialista criticou Fillon dizendo que o primeiro-ministro ofende não somente Eva Joly mas todos os franceses que adquiriram a nacionalidade há pouco ou há muito tempo. O próprio Sarkozy é filho de um imigrante húngaro e um quarto dos jovens de menos de 25 anos têm pelo menos um genitor estrangeiro ou de origem estrangeira.

Abaixo o desfile militar do 14 de Julho no Champs Elysées !

Ver o Carnaval do Rio … e morrer

Nota do jornal L’Humanité: « Enfim, uma boa notícia. O carnaval do Rio aconteceu em excelentes condições, dizem as autoridades da megalópole brasileira. Alegria, danças e paetês atraíram centenas de milhares de pessoas e numerosos turistas estrangeiros. Detalhe : « somente » 37 pessoas foram mortas durante as festas. Ver o Rio e morrer ».

A nota é de 2 de março de 2001 e foi encontrada entre recortes de jornal. E este ano, quantas pessoas morreram no carnaval carioca ?

Lanzmann e as cartas de Beauvoir

Leio no Globo : « Editor da "Les Temps Modernes", revista bem popular nos anos 60, fundada por Jean-Paul Sartre (Lanzmann foi amigo de Sartre e chegou a ser namorado de Simone de Beauvoir), ele lembrou que, mesmo em "Shoah", não quis entender a crueldade do Holocausto, apenas expô-la ».

Apresentar a revista Les temps modernes, fundada por Jean-Paul Sartre e por Simone de Beauvoir, dois dos mais importantes filósofos franceses do século XX, como « revista bem popular nos anos 60 » é simplório, risível e expõe a ignorância do jornalista e o nível de desinformação dos jornais brasileiros. O que é uma « revista bem popular » ? Tudo o que não era Les Temps Modernes na época de Sartre e Beauvoir.

Depois da entrevista que fiz com Lanzmann para a Folha de São Paulo (era a segunda vez que o entrevistava), pedi a ele para me autografar seu livro « Le lièvre de Patagonie ». Ele escreveu : « Pour Leneide Duarte-Plon, pour son esprit aigu, son sourire, son charme et son intelligence, avec toute l’amitié de Claude Lanzmann ».

O velho urso ranzinza - que me recebeu com uma bronca porque eu não atendi ao celular quando ele e sua secretária tentaram me contactar para remarcar o encontro para o dia seguinte - estava domado ao final da entrevista feita na sala de seu apartamento em Paris e publicada dois meses antes de sua ida a Paraty. Mesmo discordando totalmente do sionismo racista do escritor de um único livro, me mantive neutra durante toda a conversa.

A reação da filha adotiva de Simone de Beauvoir, Sylvie Le Bon de Beauvoir, quando eu lhe disse em 2002 que Lanzmann escreveria um livro sobre sua relação com Beauvoir foi : « Mas Lanzmann nunca escreveu um livro ! Ele disse que vai escrever ? Não acredito que ele seja capaz ! » Ela não escondia o desprezo que tem pelo atual diretor da revista Les temps modernes. Este ano, quando perguntei a Lanzmann por que ele não publicava as cartas que trocou com Beauvoir, ele respondeu irritado : « A filha dela não permite e pelas leis francesas só ela tem o direito de publicar tudo relativo a Simone. Sylvie Le Bon de Beauvoir tentou me eliminar da vida de Simone de Beauvoir ».

My little Princess

Esse filme ilustra o que Lacan via na relação mãe-filha : « un ravage » (uma devastação). A história é verdadeira, é a vida da diretora, Eva Ionesco, transformada em ícone de fotos eróticas por sua mãe, uma fotógrafa de sucesso nos anos 70. Irina Ionesco expunha as fotos de sua filha, feitas dos 4 aos 12 anos, em galerias e vendia a revistas como Lui, Playboy, Der Spiegel.

« O escândalo é que havia uma oferta porque havia a demanda », diz Eva Ionesco falando de uma época, que ainda não denunciava a pedofilia, e de sua mãe, obcecada pela imagem.

A diretora construiu um roteiro brilhante, sóbrio, sem sentimentalismo, como se dissecasse um cadáver. Mas esse cadáver é o seu e o de sua mãe. Para o papel da menina (Eva quando criança) ela encontrou uma garota talentosíssima, Anamaria Vartolomei, à altura da sempre genial Isabelle Huppert, que vive a mãe de Eva Ionesco. « Se a infância é uma cicatriz nunca totalmente fechada, My little princess é uma bela tentativa tardia de colocar alguns pontos de sutura nela », disse a revista Le Point.

Martha Graham Memórias

Fomos ver no início de julho em Paris, meu marido e eu, o Ballet da Companhia Brasileira de Dança Contemporânea Studio 3 Cia, de São Paulo. O nível técnico dos dançarinos, a beleza e a força do espetáculo (aplaudido 15 minutos sem parar) nos entusiasmaram. Pedi a Michel para escrever algo sobre o espetáculo, já que ele aprecia a dança, e sempre frequentou espetáculos internacionais de ballet clássico e moderno, inclusive tudo o que Pina Bausch mostrou em Paris. Eis sua apreciação :

« O fato de se tratar de uma companhia brasileira não deve nos levar a essa visão estereotipada e folclórica que faz com que frequentemente, sobretudo na França, façamos a referência ao país do samba e do carnaval. A Studio 3 é uma companhia de dança de classe internacional que alia com rara felicidade e imensa harmonia a força e a leveza, a beleza dos corpos, a técnica e a estupenda maleabilidade. Elementos que foram postos a serviço de Martha Graham e de suas memórias, que inspiraram respeito e amor tanto ao coreógrafo Anselmo Zolla quanto ao diretor José Possi Neto. Com música da mais extrema modernidade que faz ressoar acentos africanos mas também peças do grande repertório clássico, essa história e seus episódios, ora extáticos ora violentos, melancólicos e engraçados, nos são não contados mas dançados. Os aplausos entusiasmados que duraram mais de dez minutos nos levaram a pensar em todos os que amam a dança e poderiam partilhar o mesmo prazer. Pena ! Só três representações estavam previstas, o que nos fez saborear ainda mais o nosso privilégio. »(Michel Plon)

Uma separação

Mais de 600 mil expectadores já viram essa obra-prima do cinema iraniano, Urso de Ouro de Berlim deste ano e dois Ursos de Prata de interpretação. O filme do cineasta iraniano Asghar Farhadi é um tremendo sucesso de crítica e de público em Paris. Un chef d’œuvre/ 2h à couper le souffle/ un film choc/ une pépite/ Le film du mois/ Un film virtuose/ coup de cœur/ Un film immense/ Passionnant. A crítica foi unânime e não poupou elogios.

E o público vem enchendo as salas, que vão continuar a exibir por mais algumas semanas o maior sucesso de bilheteria do cinema iraniano. Atores fantásticos, roteiro impecável, direção de mestre. A atriz principal deu entrevistas nos jornais, na televisão e fala um francês perfeito, além de ter uma beleza que lembra Ingrid Bergman quando jovem.

Rembrandt e a imagem de Cristo

Terminou neste fim de semana uma das melhores exposições que o Louvre fez recentemente. Ela revelou um Rembrandt que revolucionou totalmente a representação de Cristo ao pintar um homem frágil, humano a partir de um modelo jovem que habitava o mesmo bairro judeu que o artista, na Amsterdã do século XVII. Rembrandt trabalhou muito em encomendas de retratos de judeus ricos de Amsterdã, a cidade europeia com a maior comunidade judaica naquele século.

A exposição do Louvre Rembrandt et la figure du Christ foi aclamada pela crítica por possibilitar aos visitantes e amantes de arte uma verdadeira aula da evolução da figura de Cristo em 85 quadros, desenhos e gravuras. Antes de Rembrandt, o Cristo costumava ter a aparência de um homem de origem nórdica, como nos quadros e gravuras de Dürer, ou de um homem poderoso e vigoroso tal qual um imperador romano, como se vê na pintura de Michelangelo e de Mantegna. As obras originais desses artistas estavam presentes para a comparação.

A mostra era uma verdadeira aula da evolução das representações do Cristo para mostrar como Rembrandt inventou uma figura diferente e criou um gênero específico chamado « cabeça de Cristo », um retrato e ao mesmo tempo objeto de culto.

CORRESPONDENTE DE GUERRA

Jornalista, profissão de alto risco

*** Publicado em 04/07/2011 na edição 649 do Observatório da Imprensa

Foi mais uma vitória dos serviços secretos e da diplomacia francesa. Mas a que preço?

Depois de 547 dias de cativeiro (exatos um ano e meio) nas mãos dos talibãs, com pouca comida, isolamento total e a incerteza de uma volta à França, os jornalistas Hervé Ghesquière e Stéphane Taponier chegaram a Paris na quinta-feira (30/6), com honras de heróis e direito a cobertura direta de canais de televisão e estações de rádio. No país inteiro havia com frequência mobilizações pela libertação dos dois reféns sequestrados no Afeganistão no dia 30 de dezembro de 2009, quando gravavam uma reportagem para o programa Pièces à conviction, do canal público France 3.

Além do enxame de jornalistas que foi ao aeroporto militar registrar a volta de Hervé e Stéphane, o presidente Nicolas Sarkozy e sua mulher também quiseram marcar presença. Mas nenhuma câmera mostrou o casal presidencial, que cumprimentou os ex-reféns num local reservado dentro do aeroporto. Seria ridículo o presidente querer roubar a festa que os empregados de France Télévisions (11 mil pessoas), os amigos e a família organizaram para os ex-reféns. Para não ser acusado de querer faturar politicamente a libertação, o Eliseu não permitiu que fossem feitas imagens do presidente cumprimentando Hervé e Stéphane.

“A França não paga resgate”

Sobretudo depois do mal-estar inicial, quando o governo deu um passo em falso. A detenção dos dois jornalistas (o repórter e o cameraman), assim como de seus acompanhantes afegãos, foi recebida em Paris com críticas do secretário-geral do Eliseu à “imprudência” de se mandar repórteres para zonas de alto risco. Um general chegou a calcular a soma de 10 milhões de dólares para uma possível libertação dos reféns.

Esse debate sórdido foi criticado pelos analistas e retificado a posteriori pelo silêncio e discrição das autoridades. O ministro das Relações Exteriores passou a dar sistematicamente garantias de que a França estava mobilizando seus serviços diplomáticos e o serviço secreto para conseguir a libertação dos reféns. Depois de muitos momentos de incerteza na negociação com os diversos grupos talibãs e muita negociação top secret, finalmente o governo afegão do presidente Karzai, a França e os talibãs encontraram o acordo que satisfez a todos.

Mais magros mas sem esconder a euforia causada pela recuperação da liberdade, os dois ex-reféns detalharam as condições de detenção duras, mas garantiram que em nenhum momento sofreram violência física. Um leitor de um jornal online francês observou que, contrariamente ao que os franceses fizeram na guerra da Argélia, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha fazem no Iraque e no Afeganistão, os reféns franceses não foram torturados nem sofreram qualquer tipo de violência física enquanto estiveram presos nas mãos dos talibãs.

O problema é o preço pago. Sabe-se que os talibãs exigiam (e obtiveram) a libertação de dois importantes chefes de guerra. Quanto à soma paga (todos sabem que há sempre uma exigência em dinheiro), é um assunto tabu. O ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé, garante que “a França não paga resgate”. O jornalista Laurent Joffrin, ex-diretor de redação do Libération e atual diretor doNouvel Observateur,defende o silêncio das autoridades. Falar de quantias pagas por reféns libertados seria, segundo ele, alimentar e inflacionar um mercado de sequestros no mundo inteiro. Atualmente, há seis reféns franceses em países africanos.

Congresso das vítimas do terrorismo

O anúncio da libertação não poderia ser mais oportuno. Foi feito pelo presidente Sarkozy em telefonema à família e aos organizadores do comitê de apoio à libertação dos dois jornalistas, reunidos com centenas de pessoas diante da prefeitura de Paris para marcar os 18 meses do sequestro com enormes faixas com fotos de Hervé e Stéphane. Em vez de se despedirem marcando nova data para continuar a mobilização, todos comemoraram ali mesmo a volta dos dois jornalistas.

O “problema dos reféns de terroristas no mundo” será o centro dos debates do VII Congresso Internacional das Vítimas do Terrorismo, de 15 a 17 de setembro deste ano em Paris. Na ocasião, diversos ex-reféns falarão de suas experiências.

*** Leneide Duarte-Plon é jornalista baseada em Paris

Deus deveria agradecer a Bach pois Bach é a prova da existência de Deus. (Cioran)