domingo, 29 de abril de 2012

Patek e não Rolex



Na semana passada comentei a cena em que Sarkozy retirou o relógio em público, mostrada por Canal Plus. Não era o Rolex que ele usava naquele dia. Segundo o jornal « Canard Enchaîné », um dos melhores e mais bem feitos jornais satíricos franceses, ele retirou do pulso e guardou no bolso do paletó seu Patek Philippe em ouro branco, presente de Carla, que custa 55 mil euros. O que fez o presidente reagir tão rapidamente ? Ora, na multidão de pessoas, havia dois jovens que apertaram sua mão. E eles eram … negros.
O presidente teve apenas um reflexo… racista. 
Surpresa na sala de espera
Na sala de espera de um consultório descubro uma Paris Match com Carla Bruni-Sarkozy na capa. A revista data de outubro de 2011, quando ela teve sua filha Giulia, que nunca foi vista pelos franceses para que o pai não seja acusado de expor sua vida privada para fins eleitorais. O eleitorado francês não perdoaria.
O que descubro na revista ? Que o ginecologista-obstetra que fez o parto da filha de Carla é o meu médico. Paris Match publica sua foto entrando na clínica de La Muette (perfeito nome para uma cantora sem voz) e diz que o Dr. Fonty já fizera o parto do outro filho de Carla, Aurélien.
Ele não pára de me surpreender. No ano passado, quase não acreditei ao vê-lo numa cena do excelente filme de Bertrand Bonello « L’ Apollonide, souvenirs de la maison close ».  Ele vivia o papel de um ginecologista. Ao comentar que o vira na tela, o discreto e reservado Dr. Fonty me disse que é médico da produtora do filme. Comentamos sua performance e ele confessou que nunca poderia exercer o métier de ator. Muito tempo esperando para gravar uma cena que na tela vai durar um ou dois minutos.

Sarkozy em Fukushima ? 



O presidente Sarkozy é flagrado todo dia contando mentiras. Os jornais não hesitam em apontar as mentiras e em desenhar nele um grande nariz de Pinóquio. Ele disse em um comício que fora a Fukushima com Nathalie Kociusko-Moriset, sua ministra do Meio Ambiente. No Petit Journal do Canal Plus feito pelo jornalista Yann Barthès, em que nenhum político escapa às críticas ácidas e à ironia, as imagens em que Sarkozy contava essa enorme mentira foram confrontadas a outras em que sua ministra dizia : « Não pudemos ir ao local da Central Nuclear de Fukushima. A zona não pode ser visitada. Encontramos as autoridades japonesas em Tóquio », etc, etc. Ao ser confrontado a essa enormidade, Sarkozy respondeu : « É uma questão de comunicação, dizer que fomos a Fukushima tem mais impacto ». Ah, bon ? 
Agora, entre os dois turnos, ele surrupiou todas as teses do Front National de Marine Le Pen, única reserva de votos que podem salvá-lo da aposentadoria precoce. E passou a dizer que « Hollande recebeu o apoio de 700 mesquitas francesas ». Como o eleitorado de Marine tem horror aos árabes e quer vê-los todos de preferência bem longe, ele sabe que isso seria um argumento anti-Hollande. Os representantes dos muçulmanos desmentiram. Hollande desmentiu. Não faz mal. A falsa informação pode cair em terreno fértil junto a quem não ouviu ou leu o desmentido. E Sarkozy pode ganhar mais um voto do medo e da xenofobia, o ódio ao estrangeiro e à sua cultura.
Segundo os institutos de pesquisa, entre 18 e 31% dos eleitores de Marine Le Pen podem votar em Hollande no segundo turno.

O cartaz do segundo turno  

Para quem não fala francês: o primeiro trocadilho com o nome de Sarkozy, “Il ne faut pas que ça recommence” (é preciso evitar que isso recomece) ; o segundo, um trocadilho com  « aux lendemains qui chantent » (futuros cor-de-rosa, isto é, idealizados).
Uma olhada na Wikipedia nos leva à origem da expressão « les lendemains qui chantent ». O deputado comunista Gabriel Péri, fuzilado em 1941 pelos nazistas, escreveu uma carta de despedida na véspera da execução. No fim da carta ele diz : « Continuo pensando que meu caro Paul Vaillant-Couturier tinha razão de dizer que o comunismo é a juventude do mundo e que ele prepara um futuro glorioso (des lendemains qui chantent) ». O título da autobiografia de Péri, publicada em 1947 é justamente a expressão que ele utilizou para definir o futuro sob o comunismo : « Les lendemains qui chantent ».  
Marine et Brigitte, o mesmo racismo
Marine Le Pen agradeceu por twitter a intervenção de Brigitte Bardot para que ela pudesse ter as 500 assinaturas de prefeitos, condição sine qua non para se candidatar à presidência como prevê a lei.
O atual marido de Bardot pertence ao partido de extrema-direita francesa, criado pelo pai de Marine, Jean-Marie Le Pen. E a velha reacionária em que a sex-simbol se transformou odeia os muçulmanos tanto quanto Marine. Em  seu livro autobiográfico, lançado em 2008, Bardot dizia todo o horror que tem dos imigrantes que são para ela uma ameaça à « identidade francesa ». Não se deve esquecer que Jean-Marie Le Pen foi torturador na Argélia, durante a guerra colonial que durou vários anos.

O voto envergonhado no Front Nacional

O resultado do primeiro turno da eleição para presidente não confirmou as previsões dos institutos de pesquisa, sobretudo nos números de Marine Le Pen e de Jean-Luc Mélenchon. Tanto a candidata do partido de extrema-direita, Front National (Frente Nacional), como o candidato do Front de Gauche (Frente de Esquerda que reuniu o Partido Comunista mais Partido de Esquerda) tinham previsões que davam ora um empate, ora um dos dois ligeiramente à frente, ambos disputando o terceiro lugar. Jamais Marine Le Pen tão distante de Mélenchon.
O Front de Gauche obteve apenas 11,11%, enquanto Marine Le Pen chegou em terceiro lugar, com 17,90% o melhor resultado já obtido pelo Front National em toda sua história. Melhor que o seu pai em 2002, 16,8%,  quando Jean-Marie Le Pen foi para o segundo turno com Jacques Chirac, desclassificando o candidato socialista, Lionel Jospin. A catástrofe que nenhum instituto de pesquisa previu !
Por que esse novo erro dos institutos de pesquisa ? Convenhamos que não chega a ser o « grande trauma de 21 de abril de 2002 », quando a França descobriu que o socialista Lionel Jospin não concorreria com Chirac mas que os franceses teriam de escolher entre um candidato de direita republicana e um representante da extrema-direita xenofóbica e anti-europeia. Mas este ano ninguém previu um percentual tão elevado de Marine Le Pen. O erro se repete.
Os analistas atribuem esses seis pontos de vantagem de Marine sobre Mélenchon ao voto envergonhado de muitos eleitores do Front National, estigmatizado como a ultra-direita neofascista. O processo de « desdemonização » do partido iniciado por Marine Le Pen não chegou a termo. Há quem se diga indeciso, quando na verdade vai votar na Frente Nacional.
Com a ligeira vantagem de François Hollande no primeiro turno (28,63% contra 27,18% de Sarkozy), o jornal britânico, The Guardian chegou a dizer que « somente um milagre pode manter Sarkozy no poder ». Esperemos, esperemos. Não o milagre, claro, mas a vitória de Hollande sobre o Pinóquio, que mente mais que Chirac, apelidado pelos Guignols de l’info, há alguns anos, de « super-menteur ».
Marine Le Pen, cujos eleitores passaram a ser cortejados descaradamente por Sarkozy, pretende mudar o nome de seu partido ainda este ano e representar uma nova força de direita, tão anti-socialista quanto anti-sarkozysta. Segundo o analista político Alain Duhamel, « ela tem uma liderança carismática, brutal, violenta, simplista e extremamente perigosa ».
Quanto a Mélenchon, logo que os resultados foram divulgados ele declarou que a única forma de vencer Sarkozy agora é votar em Hollande. As pesquisas mostram que praticamente todos os seus eleitores votarão em Hollande no segundo turno. A candidata dos ecologistas, Eva Joly, que teve pouco mais de 2% dos votos, também declarou imediatamente apoio à candidatura do socialista.
Os eleitores do centrista François Bayrou (que teve em torno de 9% dos votos) e os de Marine Le Pen são a grande incógnita. São eles que decidirão o segundo turno. Sarkozy começou imediatamente a cortejar esses eleitores da ultra-direita, exagerando sua postura claramente anti-imigrantes e securitária. Marine Le Pen que não é boba, denunciou uma apropriação indébita de seu programa, que ela chamou de « roubo ». O que farão os eleitores ? Ela vai dar uma orientação clara na festa do dia do trabalho, que o Front National comemora todo ano diante da estátua equestre de Joana d’Arc.
** Fotos de Leneide Duarte-Plon
Helmut Newton volta a Paris***
Leneide Duarte-Plon, de Paris
Helmut Newton morreu como viveu : cercado do luxo e das celebridades internacionais do jet set. O fotógrafo que revolucionou o mundo da moda na segunda metade do século XX teve um ataque cardíaco aos 83 anos, em 2004, quando dirigia seu Cadillac na saída da garagem do Château-Marmont, o mítico hotel de Hollywood onde Sophia Coppola filmou « Somewhere ».
No mesmo ano, sua mulher, June Newton, que fez carreira como fotógrafa com o nome de Alice Springs, inaugurou oficialmente a Fundação Helmut Newton, em Berlim, onde o artista nasceu em 1920 e viveu até 1938, quando teve de fugir do antissemitismo que invadira a Alemanha.
Desde o dia 24 de março (e até 17 de junho), Helmut Newton está de volta a Paris, na monumental retrospectiva do Grand Palais, organizada por June Newton e Jérôme Neutres, onde mais de 200 fotos de moda e retratos de personagens do mundo artístico e político mostram aos visitantes por que Newton foi um grande artista. Entre os retratados estão Margaret Thatcher, Catherine Deneuve, Isabelle Huppert, Yves Saint Laurent, Caroline de Monaco, Jean-Marie Le Pen, Leni Riefenstahl, Elisabeth Taylor e Charlotte Rampling. Salvador Dali aparece sentado, velho e doente, vestindo um « robe de chambre » em cetim, em sua última foto.
Foi em Paris que Newton conheceu a fama e onde trabalhou nas melhores revistas de moda, sobretudo na Vogue, impondo uma visão nova e única do corpo feminino contemporâneo. As manequins que ele mostra nuas ou em smokings são poderosas, sedutoras, dominadoras, perfeitas mulheres fálicas, muito longe da mulherzinha feminina que habitava as revistas de moda antes dele.
Nas fotos de Newton, a revolução sexual passa pela liberdade do corpo exposto a todas as fantasias. A série Les nus et les vêtus, de 1981, mostra manequins nuas em salto alto, com a mesma atitude e pose de outra foto em que se vestem com roupas de alta costura. Uma dessas fotos atingiu 241 mil dólares, na Christie’s de Nova York.
Helmut Newton fazia fotos de moda como quem encena uma história erótica de poder e luxo. « Uma boa foto de moda deve parecer tudo menos uma foto de moda. Deve ser como um retrato, uma foto de souvenir, uma foto de paparazzi », definiu um dia o artista que criava uma verdadeira mise-en-scène para cada foto. « Durante a sessão de fotos, a modelo se torna uma criatura minha. Colocam diante de mim as mais belas mulheres do mundo numa perfeição do trabalho dos melhores cabeleireiros, maquiadores, o que lhes confere uma qualidade de obra de arte. Esses excessos pelos quais uma mulher pode se tornar bela me interessam. Eu bem que tentei o « instante decisivo » mas fracassei. Rejeito a espontaneidade. »
Nos retratos, o fotógrafo sabia extrair uma verdade particular de cada pessoa. No jornal Le Monde de 30 de março, Jean-Marie Le Pen, Catherine Deneuve e Isabelle Huppert contam como posaram para Helmut Newton, que tinha o dom de deixar o modelo à vontade apesar de trabalhar muito rapidamente. Catherine Deneuve diz que posou em casa, com sua própria roupa, uma combinação preta. Ela tem um cigarro na boca e reconhece que a foto é totalmente ela, naquela época. Deneuve prefere se abrigar atrás de um personagem de filme e diz que hoje não abriria sua casa a um fotógrafo, como fez a Newton.
Jean-Marie Le Pen parece muito à vontade com seus cães numa atitude que o político vê como uma pose "viril". Helmut Newton conseguiu fazer o líder da extrema-direita francesa posar com seus dois doberman, numa foto que foi vista por muitos como uma citação de uma famosa foto de Adolf Hitler com seu  pastor alemão, em 1925. Helmut Newton nunca confirmou essa hipótese.
A fotógrafa do III Reich Leni Riefenstahl, que ele fotografou no ano 2000, disse a Helmut Newton em tom de brincadeira, quando ele fazia seu retrato: “”Helmut, é a velha nazista que se embeleza para o judeuzinho ». Ele comentou : « Acho que ela ainda é apaixonada por Adolf ».
Como para se vingar do nazismo, ele pediu para ser enterrado em sua Berlim natal. Hoje, Helmut Neustädter, mais conhecido como Helmut Newton, repousa perto do túmulo de Marlene Dietrich, que ele tanto admirava. 

*** Publicado na Folha de São Paulo
 





quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mélenchon contra o tédio




Acabo de ler que uma pesquisa do Instituto Viavoice confirma que Jean-Luc Mélenchon, do Front de Gauche, é o « fenômeno de opinião » desta campanha. Em agosto de 2011, 22% dos franceses desejavam ver Mélenchon como presidente. Esta semana, a poucos dias do primeiro turno (dia 22 de abril), 24% dos eleitores ouvidos desejam vê-lo presidente. Segundo o analista François Miquet-Marty, de Viavoice, ele consegue convencer trabalhadores (22%), executivos (22%) e seduz também simpatizantes do centro e do Front National, o partido de extrema-direita (13%). Segundo Miquet-Marty ele conseguiu « espantar o tédio que rondava essa campanha » em que os eleitores pareciam desencantados e abatidos com a crise.
Mélenchon vai ser o fiel da balança, vai pesar muito no segundo turno, quando seus eleitores serão fundamentais para garantir a vitória de François Hollande e mandar Sarkozy definitivamente para casa. Depois, em junho, haverá eleições para o Parlamento e o Front de Gauche pretende formar uma bancada importante para puxar Hollande para a esquerda.
Na política francesa, Jean-Luc Mélenchon fez o Partido Comunista ressuscitar (pois era dado como morto e enterrado), numa aliança com o Parti de Gauche, formando o Front de Gauche, cujo slogan, « Prenez le pouvoir », já diz o que ele pretende : o poder nas mãos do povo, além da instauração da 6e République, com novas instituições mais democráticas.
Mélenchon é, sem dúvida, a grande novidade da eleição presidencial, com suas teses contra o pensamento único e a ditadura da finança sobre a política. Ele realizou três megacomícios, um na Place de la Bastille, em Paris, um na Place du Capitole, em Toulouse, e um no Prado, em Marseille. Em cada um dos três, levou cerca de 100 mil pessoas às ruas, num entusiasmo militante que não se via há muito tempo. Todos os grandes jornais do mundo falam de Mélenchon como a grande revelação dessa campanha.
Pascal Perrineau, diretor do Cevipof (Centre de Recherches sur la vie politique française de Sciences Po, Instituto de Ciências Políticas de Paris)  analisa o « fenômeno Mélenchon »: « Pela primeira vez, depois de muito tempo, um homem é capaz de encarnar essa cultura que o historiador François Furet qualificaria de revolucionária. Ele desperta energias e eleitores adormecidos ou desmobilizados. Essa indignação que ele conseguiu canalizar está presente sobretudo nos eleitores socialistas que sempre tiveram um certo complexo em relação aos eleitores mais à esquerda. Esse velho complexo está reaparecendo ».
A escritora Geneviève Brisac escreveu no Libération : « Quando leio na programação da TV que Mélenchon vai ser entrevistado me programo para assistir. Suas frases me entusiasmam. A République está viva. O socialismo é possível. A democracia é nosso horizonte. A justiça social vai passar ».
Resumindo : Mélenchon é a opção dos que acham a esquerda dos socialistas uma « gauche molle » e desejam políticas realmente de esquerda.
*Fotos deste blog : de Leneide Duarte-Plon
Meu Rolex nãooooooooo !

Na segunda-feira, 16 de abril, um canal de televisão passou uma cena chocante mas hilariante. Apressadamente, o (ainda) presidente Sarkozy e candidato à sua própria sucessão, cumprimenta as pessoas que o aguardam para um comício gigante realizado no domingo, dia 15, na Place de la Concorde. Depois de apertar algumas mãos apressadamente, o candidato-presidente tira furtivamente de seu punho o relógio, o guarda rapidamente no bolso do paletó e continua a apertar mãos de pessoas separadas dele por barras de metal. O jornalista do Canal Plus repassou a cena  em que ele guarda o relógio.
Ora, logo depois da eleição de 2007, Sarkozy _ que começou a ser chamado pela imprensa de « presidente bling-bling » pelo seu apego ao luxo e aos sinais exteriores de riqueza como os iates de seus amigos, óculos Ray-Ban, Rolex e festas em restaurantes de luxo _ perdeu vários pontos de sua popularidade, devido ao seu comportamento exibicionista, muito distante do que se espera de quem exerce a função solene de presidente de uma República que não é de bananas.
Para justificar as atitudes do amigo, um dos mais conhecidos publicitários do meio político, Jacques Séguela, cunhou, em 2009, a frase que chocou pela franqueza e pelo que revela da mediocridade de um meio em que o dinheiro é tudo : « Se aos 50 anos o sujeito não tem um Rolex, é porque fracassou na vida ».
Esse é o tipo de « filósofo » que o presidente Sarkozy frequenta.
P. S. Foi Séguela quem apresentou Carla Bruni ao presidente, em 2008. No comments.

Delanoë vai de trem

Voltamos de Marseille no dia 9 de abril, segunda-feira, depois de um fim de semana prolongado pelo feriado de Páscoa. No mesmo vagão do TGV (train à grande vitesse), entrou o prefeito de Paris, desde 2001, Bertrand Delanoë, do Partido Socialista.
Bronzeado, de roupa esporte, o prefeito estava acompanhado de um amigo ou colaborador mais jovem. A discrição com que um personagem como este viaja na França ou em qualquer país da Europa, sem hordas de segurança, sem ninguém para carregar sua pequena mala que ele mesmo levava, choca o olhar brasileiro acostumados que somos a ver nossos políticos usarem e abusarem de meios de transportes do serviço público privatizados para eles e suas famílias e séquitos de servidores pagos pelo contribuinte.  

Sexo, política e dinheiro

Na burguesia francesa três assuntos são totalmente tabu. Ao se sentar para comer, todos sabem : não se fala de sexo, nem de política nem de dinheiro.
Como é difícil haver consenso nessas três esferas, as discussões acaloradas podem perturbar a digestão.

Bomba israelense

Günter Grass, prêmio Nobel de Literatura,  foi declarado persona non grata em Israel depois da publicação dia 4 de abril, no jornal alemão Süddeutsche Zeitung, de seu longo e belo poema « O que deve ser dito », que o jornal Le Monde publicou dia 10 de abril, numa excelente tradução de Olivier Mannoni.
Grass se diz « cansado da hipocrisia do Ocidente » e  pensa que o arsenal atômico israelense é um perigo para a paz. 

Brasil, novo eldorado

« Rio, nouvel eldorado des jeunes Français ». Esse título de uma reportagem do Le Monde tinha como subtítulo : « Superdiplomados ou com um capital para investir, são muito numerosos os que querem uma parte do « milagre » brasileiro. Mas cuidado com as desilusões ! »
Isaure Pisani-Ferry, de 25 anos diz ao jornal : « Aqui, com a crise, tudo ficou muito estreito : a cultura, os projetos de vida… Se é para dar duro, vou fazê-lo numa sociedade brasileira que dá provas de um dinamismo extraordinário ». O número de franceses que chegam ao Brasil para morar aumentou de 5% a 10% por ano.
E 50 mil portugueses entraram no Brasil em 2011 para buscar uma nova vida. Os jornais franceses publicam cada vez mais reportagens sobre jovens portugueses e espanhois se preparando para emigrar fugindo de uma Europa em crise com índices de desemprego nunca vistos.

Carta de Sarkozy : devolver ao remetente

Recebo de uma amiga a informação por e-mail :
Bonjour,
La lettre de Sarko va arriver dans nos boîtes. Nous lançons un appel général au boycottage du triste auteur de ces propos insipides et provocateurs, lequel instrumentalise de nouveau les tragédies de Toulouse pour mieux hystériser le débat public.
Cette lettre doit lui être renvoyée sans l’ouvrir.
RETOUR à l’ENVOYEUR . La procédure est simple :
1/ Ne pas ouvrir le courrier
2/ Inscrire en toutes lettres : RETOUR à L’ENVOYEUR
3/ Motiver le renvoi sous un prétexte quelconque du style :
- Refusé
- Courrier refusé
- Absence momentanée
- Absent provisoirement
- Inconnu à l’adresse indiquée
- Absent pour raison de campagne électorale...
4/ Déposez votre lettre, sans affranchissement supplémentaire à la poste qui se chargera de la
retourner à l’envoyeur et votre mission est ainsi accomplie
5/ Pour un franc succès, faites passer le message autour de vous, par téléphone, e-mail, internet etc... Votre imagination fertile fera le reste
Les raisons de lui dire de partir, vous les trouverez dans la presse LIBRE (MEDIAPART) mais aussi dans le Canard Enchainé, et Marianne de cette semaine encore. René DOSIERE vous apportera les infos qui vous manquent. Notre bonimenteur de foire, l’agité de l’Elysée coûte à la France des sommes considérables qui seraient mieux investies ailleurs. Pour le peuple c’est l’austérité, et pour lui la belle vie.
En votre âme et conscience, agissez, il a fait assez de mal.
Merci de faire suivre

As relações perigosas dos políticos com as jornalistas

Leneide Duarte-Plon, de Paris (publicado no Observatório da Imprensa)
Provavelmente poucas pessoas conhecem no Brasil as jornalistas francesas Valérie Trierweiler, Audrey Pulvar, Béatrice Schönberg, Christine Ockrent e Anne Sinclair. Em comum, além serem jornalistas da área de política, elas têm maridos ou companheiros políticos (os franceses somente chamam de maridos quem é casado oficialmente, como Anne Sinclair e Dominique Strauss-Kahn). A primeira da lista pode até se transformar em primeira dama francesa, se as atuais pesquisas de opinião se confirmarem no segundo turno da eleição e seu « compagnon » François Hollande for eleito presidente.
Audrey Pulvar se tornou alvo de críticas e assunto de reportagens em jornais sérios como Libération e Le Monde, em outubro do ano passado, quando apareceu em público comemorando ao lado de seu companheiro, o socialista Arnaud Montebourg, a terceira posição dele nas primárias do Partido Socialista, o que lhe deu força de « ministeriável », ao declarar apoio a François Hollande, ganhador das primárias. Pelo fato de ter um programa de entrevistas políticas na rádio pública France Inter e outro no canal privado I-Télé, Audrey se viu forçada a trocar a cobertura política por assuntos mais amenos como a cultura ou temas sociais.
Uma jornalista pode ser imparcial e ter credibilidade quando se vive com um político ? « Uma mullher tem o direito de não pensar por e como seu companheiro », responde Pulvar sobre o fato de ter que se afastar de sua área para manter-se ativa durante a campanha eleitoral. Montebourg fora um dos primeiros a criticar a conivência entre políticos e jornalistas diante de outra história semelhante à sua.
Na França, não se admite que uma jornalista tão claramente envolvida com um homem político apresente um programa político sem que sua credibilidade e imparcialidade sejam postas em dúvida. Antes de Pulvar, Béatrice Schönberg que apresentava o jornal das 20h de France 2, um dos canais públicos, já tivera que se afastar do telejornal ao se casar com o então ministro de Sarkozy, Jean-Louis Borloo. Schönberg passou a apresentar um programa mensal e praticamente não se ouviu mais falar dela.
Quanto à provável futura dama, ela entrevistou muitos políticos antes de se apaixonar por François Hollande, com quem vive desde 2007. Conheceram-se numa entrevista para a revista Paris Match, na qual Valérie Trierweiler cobria política desde 1989. Na época da entrevista, o atual candidato ainda vivia com Ségolène Royal, com quem tem quatro filhos e de quem se separou para assumir a relação com a jornalista. Foi Valérie Trierweiler quem assinou há mais de 20 anos, uma matéria muito criticada em que a então ministra do Meio Ambiente, Ségolène Royal, posava com seu bebê recém-nascido. Royal foi acusada de expor sua filha para fins políticos.
Na França, misturar vida pública com a vida privada é pecado capital. Tanto que até hoje ninguém viu nenhuma foto de Giulia, filha de Sarkozy e Carla Bruni. Uma sessão de poses ou a exibição da menina poderiam comprometer a reeleição de Sarkozy, criticadíssimo por seu exibicionismo do início do mandato. O cargo de presidente exige uma vida privada discreta e totalmente longe das câmeras, ao contrário do mundo anglo-saxão. Ao ser pai durante o mandato, Cameron não hesitou nenhum minuto em sair da maternidade com a mulher e a filha e posar desinibido para toda a imprensa mundial.
Valérie Trierweiler ouviu em « off » muitos segredos dos manda-chuvas do Partido Socialista, que hoje fazem campanha para seu companheiro e potencial presidente. Mas também sabe muitos segredos de políticos da direita. Por isso, sua vida na revista mudou, ela foi imediatamente afastada da editoria de política e não participa mais do fechamento nem das reuniões de pauta. E foi surpreendida com uma foto sua numa capa recente de Paris Match, o que não lhe agradou nem um pouco.
Nesse novo papel de personagem do mundo político, Valérie Trierweiler ainda é uma debutante. Liberada da obrigação de cobrir política para a revista, ela participa ativamente da campanha do companheiro e tem sido comparada a Cecilia Sarkozy, que participou da vitória de seu marido em 2007. Há quem atribua a Cecilia um importante papel na formação do ministério, além da catastrófica ideia de comemorar a vitória no caríssimo restaurante Fouquet’s, quando Sarkozy reuniu as maiores fortunas da França. Começava ali sua fama, confirmada com outros episódios semelhantes, de « presidente dos ricos ». O apelido de « presidente bling bling » veio desse gosto de Sarkozy pelo mundo do dinheiro e por  suas amizades com os maiores industriais franceses como Arnaud Lagardère, Serge Dassault, Bernard Arnault, Bouygues, entre muitos outros.
Esse controle e a potencial denúncia de promiscuidade do mundo da política com o jornalismo não foram sempre tão rigorosos. Nos tempos de Mitterrand, o presidente chegou a dar uma entrevista para a televisão e ser entrevistado por duas estrelas do jornalismo político da época : Christine Ockrent e Anne Sinclair. Não chocava tanto o fato de ambas serem casadas com ministros do presidente. Ockrent era companheira do ministro Bernard Kouchner e Sinclair era a mulher de Dominique Strauss-Kahn.
Os tempos mudaram. E um pouco mais de controle para evitar a conivência (e muitas vezes cumplicidade)  entre política e jornalismo é o que querem todos os que defendem a credibilidade do jornalismo.