terça-feira, 21 de janeiro de 2014

SARTRE : Recusar o Nobel, um não às distinções oficiais




Há quase 50 anos, em 22 de outubro de 1964, o filósofo Jean-Paul Sartre recusou o Nobel de Literatura. O prêmio foi justificado por sua obra ter « uma grande influência sobre nossa época, além de revelar espírito de liberdade e busca da verdade.»
Sartre não foi receber o prêmio, abriu mão das honras e do cheque que o acompanhava. Desde a criação do Nobel, somente 4 pessoas o recusaram. Por determinação do regime nazista, em 1938 e 1939, os alemães Richard Kuhn e Gerhard Domagk não puderam receber seus Nobel de Química e de Medicina. Em 1973, o vietnamita Le Duc Tho recusou o Nobel da Paz, que receberia juntamente com Henry Kissinger "por seus esforços para um acordo de paz no Vietnã."
Explicando as razões pessoais para não aceitar o Nobel, Sartre escreveu à Academia : « Minha recusa não é um ato improvisado. Sempre fugi das distinções oficiais. Quando, depois da Guerra, em 1945, me propuseram a Légion d’Honneur recusei-a. Da mesma forma, nunca aceitei postular a uma vaga no Collège de France, como me sugeriam alguns amigos. Não é a mesma coisa se eu assino simplesmente Jean-Paul Sartre ou se assino Jean-Pau Sartre, prêmio Nobel. O escritor deve recusar se transformar em instituição. »
Já não se fazem mais intelectuais como Jean-Paul Sartre.

JUDITH BUTLER : A igualdade pode ser um valor judaico

Intelectual notável entre os pensadores contemporâneos, a filósofa Judith Butler acaba de lançar um livro. Para a americana, pioneira da teoria do gênero (gender studies), professora de Literatura da Universidade de Berkeley, ser homem ou mulher é uma construção. Seu novo livro trata de filosofia política.
De passagem por Paris para lançar em francês “Na direção de uma coabitação – Judeidade e crítica do sionismo », Butler deu várias entrevistas. Subversiva em todos os temas, ela contesta os que pensam que criticar Israel é um ato antissemita. « Essa chantagem me parece um ato de censura insuportável, inspirando o terror de ser tratado de antissemita. »
Em seu novo livro Butler propõe uma leitura de Walter Benjamin, de Hannah Arendt e de Emmanuel Levinas que, segundo ela, « pensaram uma visão da generosidade, de hospitalidade, de alteridade. »
« Isso conduz a defender um Estado democrático que não seria fundado sobre uma discriminação racial, étnica ou religiosa. Sei que é uma ideia radical e que numerosas pessoas acham que ela colocaria em perigo a segurança dos judeus. Penso, como Hannah Arendt, que os judeus não estarão em segurança senão quando aceitarem um contexto binacional que reconheça a existência e os direitos dos dois povos, judeu e palestino. Antes da formação do Estado moderno de Israel, em 1948, essa ideia não aparecia como antissionista, era uma forma de sionismo. A visão de Ben Gourion, que superou a de Hannah Arendt desde os anos 1930 e reduziu o Estado à soberania judaica, é a única que hoje tem o direito de ser defendida. Dirigir-se para essa diversidade, voltar a esses textos e aos valores defendidos por esses autores cosmopolitas é necessário para pensar atualmente os princípios de uma coabitação, de uma cidadania não discriminatória, e impor uma crítica judaica da violência de Estado, do colonialismo e da injustiça. Não vejo por que a igualdade política não poderia ser um valor judaico ».
Ao receber o prêmio Adorno, em 2012, na Alemanha, Judith Butler foi tratada de antissemita por extremistas judeus. Ela considera que não há pior acusação para um judeu.
Judith Butler não mudou desde o início dos anos 2000 quando escreveu o texto « A acusação de antissemitismo: os judeus, Israel e os riscos da crítica pública - Um ponto de vista americano », parte da coletânea « Antissemitismo, a intolerável chantagem », que tive o prazer de traduzir para o português em 2004 para a editora Anima. 

HOLLANDE : sedutor com um ar de Tintin maduro

O poder deve ser mesmo afrodisiaco. Para quem duvida, a recente descoberta de uma amante de François Hollande é a prova cabal. Abaixo o texto que escrevi para o Observatorio da Imprensa:

GENERAL  AUSSARESSES : lições da Argélia para ditadores sul-americanos

Uma entrevista exclusiva com o general Aussaresses, morto em dezembro, que vai se transformar em livro.



ESPANHA: greve dos úteros, pela filósofa Beatriz Preciado

O direito da mulher de abortar legalmente é considerado um progresso que a maioria dos países europeus alcançaram. Na Espanha, uma lei pretende fazer um retrocesso limitando esse direito.
Insurgindo-se contra essa lei influenciada pelos católicos próximos da Opus Dei, a filósofa Beatriz Preciado escreveu um violento artigo « Declarar a greve dos úteros » no Libération do fim de semana.
Ela termina o primoroso artigo dizendo : « Corpo nascido com útero, fecho as pernas diante do nacional catolicismo, digo a Rajoy e Varela (primeiro-ministro e cardeal espanhol) que eles não porão os pés no meu útero : nunca tive filhos e nunca os terei a serviço da política espanholista. Daqui desta modesta tribuna, convido a todos os corpos a fazer a greve do útero. Afirmemo-nos como cidadãs e não mais como úteros reprodutivos. Pela abstinência e pela homossexualidade, mas também pela masturbação, sodomia, fetichismo, coprofagia, zoofilia… e pelo aborto. Não deixemos penetrar na vagina uma só gota do esperma nacional católico. Não engravidemos para o PP, nem para as paróquias da Conferência Episcopal. Façamos essa greve como faríamos o mais “matriótico” dos gestos: uma forma de desconstruir a nação e agir para a reinvenção de uma comunidade de vida pós-Estado nacão no qual a expropriação dos úteros não será mais possível.»
Faz tempo que eu não lia um texto tão subversivo.


A TOUCH OF SIN : sublime Jia Zhang-ke

O chinês Jia Zhang-ke é um grande cineasta. Seu último filme lançado em Paris em dezembro é a prova cabal. Ele retrata uma China convertida ao liberalismo selvagem, ao capitalismo de Estado no qual as desigualdades crescem e as vítimas da exploração vêm na violência o único recurso para expressar a revolta. Uma China desconhecida que Jia Zhang-ke  nos revela a partir de crimes reais. Depois de Still life, o cineasta chinês se impõe com um filme genial. Aos interessados, recomendo a crítica da revista Télérama, na internet, (autoria do jornalista Samuel Douhaire), cujo final reproduzo para os francófonos :
Des quatre parcours tragiques racontés par le film, celui de l'adolescent est le plus poignant, inspiré des cas de suicide chez Foxconn, le sous-traitant d'Apple. Le désespoir du petit ouvrier, privé d'ascension sociale, de reconnaissance et même d'amour, apparaît comme la conséquence de tous les dysfonctionnements de la société chinoise. Corruption généralisée, précarité absolue des travailleurs migrants traités comme des parias, cynisme des nouveaux riches qui dilapident leurs yuans dans les bras d'escort-girls déguisées en gardes rouges... Dans cette jungle, qui, à l'heure de la mondialisation, n'est ­hélas pas l'apanage de la Chine, les plus faibles n'ont plus que leur instinct de destruction pour survivre. Et leur animalité : chaque déchaînement de violence est précédé d'une rencontre étrange avec des bêtes, une vipère glissant sur le bitume, des buffles en route vers l'abattoir, un cheval martyrisé par son propriétaire... Parenthèses magnifiques qui propulsent ce film, ô combien réaliste, vers l'imaginaire. A la brutalité des rapports humains, Jia Zhang-ke oppose la résistance par l'oeuvre d'art, qui est autant catharsis que consolation. Dans l'ultime séquence, l'employée de sauna assiste fascinée à la représentation en pleine rue d'un opéra traditionnel, L'Interrogatoire de Su San. Et trouve dans cette histoire sublimée d'une héroïne accusée de meurtre, un écho à son propre ­destin. Au-delà de son message d'alerte salutaire sur l'état de la Chine, A touch of sin est, aussi, un hommage vibrant aux humiliés et offensés du monde entier. Et à l'art qui les sauve.